São Paulo, sábado, 12 de setembro de 1998

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JAZZ
Saxofonista norte-americano é uma das atrações do Free Jazz
Wayne Shorter vê novidade na eletrônica "jungle music"

CARLOS CALADO
especial para a Folha

Das oito atrações jazzísticas do próximo Free Jazz Festival, a única escolhida para o palco principal é Wayne Shorter. O saxofonista norte-americano vai dividir com o guitarrista Jeff Beck as noites de 17 e 18 de outubro (no Rio e em São Paulo, respectivamente).
É uma questão de bagagem musical e carisma. Além de ter tocado com Miles Davis e Art Blakey ou de liderar a banda Weather Report, Shorter é um compositor originalíssimo. Uma "jam session" de respeito não pode esquecer clássicos de sua autoria, como "Footprints" ou "Dolores".
Falando à Folha, por telefone, de Los Angeles, Shorter adiantou detalhes de seus shows no Brasil. Revelou também que está preparando um novo disco e que só tem encontrado novidades nos ritmos da eletrônica "jungle music".

Folha - Você já tem idéia de como serão seus shows no festival?
Wayne Shorter -
Vou levar um quinteto, com Teri Lyne Carrington (bateria), James Beard (teclados), Ira Coleman (baixo) e um guitarrista. Talvez toquemos algo do meu próximo álbum, mas ainda estamos trabalhando nele.
Folha - Desta vez será um disco acústico?
Shorter -
Sim. Vou usar uma orquestra de câmara, com violinos, cellos, oboés e trompas. Deve sair em 1999, pelo selo Verve.
Folha - Algum convidado especial no elenco?
Shorter -
Ainda não sei. Seria ótimo ter Orson Welles...
Folha - O cineasta Orson Welles? É um disco ou um filme?
Shorter -
Um disco (risos). Mas eu adoraria ter o vozeirão dele, falando: "Alô! Tem alguém aí?" (risos). É só uma idéia.
Folha - Você está na estrada desde os anos 50. Como enfrenta a obrigação de criar um álbum diferente, de tempos em tempos?
Shorter -
A primeira coisa é justamente deixar a estrada (risos). Suspendo as turnês e me tranco. Eu moro nas montanhas de Los Angeles. Fico olhando as nuvens, o céu, as montanhas. É a hora de ficar sozinho e tentar um diálogo com a vida. Ou com a eternidade.
Folha - Você é um declarado fã da música brasileira. Tem ouvido algo novo ou interessante?
Shorter -
Não, nem do Brasil, nem de toda a América Latina. Tudo me parece muito simplificado, ultimamente. A única coisa nova que tenho ouvido está nos ritmos e nas batidas do que eles chamam de "jungle music". Os ingleses estão experimentando mais.
Folha - Que tal a cena atual do jazz? Como você encara a onda do "smooth jazz" (jazz macio)?
Shorter -
É a tentativa de estabelecer um compromisso confortável entre os músicos e o público. Querem criar uma zona de conforto, em vez arriscar novas descobertas, de encontrar algo desconhecido. Isso é uma armadilha.
Folha - E essa mania de as gravadoras apostarem mais nos jazzistas jovens? Juventude é garantia de novidade?
Shorter -
Não. Muitos deles apenas copiam outros músicos e só estão preocupados em aperfeiçoar suas cópias. Tocam as notas corretas, as passagens corretas e improvisam de modo correto. Mas a criação é algo bem diferente do fazer correto. A criação é até bastante incorreta (risos).
Folha - Que saxofonistas da nova geração você aprecia?
Shorter -
Gosto daquele rapaz que tocava com Miles: Kenny Garrett. Steve Coleman também é ótimo. Hoje, há bons saxofonistas jovens vindo de vários países.
Folha - Suas gravações com Miles Davis foram reeditadas. Qual é a sensação de ouvi-las hoje?
Shorter -
O que mais me surpreende é como crescemos tão rápido. Pouco antes de morrer, em 1991, ele chegou a me dizer que queria voltar a fazer algo comigo, Herbie Hancock e Tony Williams. Não tivemos tempo.



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