São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"Queridinhos da América" satiriza o mundo das celebridades de Hollywood

Só falta dizer a verdade

Divulgação
John Cusack e Catherine Zeta-Jones em "Os Queridinhos da América"



A atriz Julia Roberts vetou fotos de cenas e exigiu troca de papéis para participar do longa, com elenco de estrelas, escrito e produzido por Billy Crystal


MILLY LACOMBE
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

Não há elemento da indústria cinematográfica que tenha escapado do arsenal de zombarias que dispara o longa-metragem "Os Queridinhos da América".
O filme conta a história fictícia do casal de celebridades mais cobiçado de Hollywood e toda a falsidade que cerca suas vidas.
Sobra para assessores das estrelas, chefes de estúdio, jornalistas, roteiristas e, claro, para as sempre egomaníacas personalidades do meio. "Era inevitável que alguém explorasse o tema", disse o diretor -e também ex-chefe de estúdio- Joe Roth. "Há muito material cômico para trabalhar no egocentrismo deslumbrado dos habitantes dessa tribo."
Mas, ao que parece, a trama central foi levada tão a sério pelo elenco estrelar, composto por Julia Roberts, John Cusack, Catherine Zeta-Jones, Stanley Tucci e Billy Crystal, que o tom libertino do filme se estendeu para as entrevistas que serviriam para promovê-lo -ironicamente, são essas mesmas entrevistas, que no jargão hollywoodiano são chamadas de "junkets", o elemento que "Os Queridinhos" satiriza com mais esmero.
"Conheço bem esse universo por dentro e sempre soube que, se conseguisse floreá-lo com uma história romântica e engraçada, poderia criar algo diferente", disse Crystal, que escreveu e produziu o filme, para explicar por que decidiu zombar da máquina do cinema norte-americano.
O que ele não conseguiu explicar foi o tom de troça conferido à entrevista por ele e por seu elenco de ouro. Julia Roberts, que aceitou participar da produção desde que pudesse trocar de papel com Zeta-Jones (originalmente, a ex de Benjamin Bratt seria a estrela esquizofrênica, e a atual de Michael Douglas seria a assessora de imprensa perspicaz), entrou na sala disposta a responder debochadamente a todas as perguntas e, de quebra, se divertir tirando sarro do sotaque dos jornalistas estrangeiros.
"Não sei por que ela estava daquele jeito, mas talvez alguma pergunta menos apropriada tenha tirado Julia dos eixos", tentou justificar à Folha, semanas depois, Cusack, o objeto de afeição da personagem dela.

Arrogância
Tirar a estrela máxima dos eixos não é, entretanto, tarefa que exija esforço ou dedicação. Julia Roberts é, sob o ponto de vista da imprensa especializada em cinema, a atriz mais arrogante e dissimulada de Hollywood, sempre pronta a criticar repórteres menos preparados.
"Gosto de improvisar e sabia que trabalhar com Crystal seria um excelente exercício", disse ela, em um dos poucos momentos de sensatez durante a entrevista.
Para provar que seu par romântico estava falando sério, John Cusack, o único a fazer algum esforço jornalístico naquela tarde de primavera, fez questão de dar um exemplo e citou a cena em que os dois dormem juntos pela primeira vez. "Estamos na cama de manhã e, quando ela vai falar comigo, leva o lençol à boca", disse. Ela emendou: "Não conheço ninguém que tenha o hálito perfumado ao acordar, e os romances sempre ignoram isso".
A "junket" só ganhou um pouco de cadência quando Cusack resolveu contar como ele e Roberts se prepararam para as cenas de amor. "Estávamos nervosos, claro, e descobrimos que um ou dois martínis antes de entrar no set eram de grande ajuda para acabar com a tensão."
"Não tive trabalho nenhum. Eles ignoravam o roteiro e faziam o que queriam nas filmagens. Só me restava sentar e observar", brincou Joe Roth. Roberts, que pode ser vista na tela com uma roupa de borracha desenhada para fazê-la parecer vários quilos mais gorda, não quis que fotos suas na fantasia fossem distribuídas à imprensa. "Vestir aquilo não foi das coisas mais agradáveis que já fiz na vida", limitou-se a dizer a estrela, que sempre tem poder de veto sobre o material promocional de seus filmes.
Enquanto isso, Zeta-Jones, que se esforçava para ser tão arrogante quanto a atriz que comandava a mesa, mostrou por que não chega aos pés de sua rival: ao tentar alfinetar os repórteres ali presentes com frases de efeito, não se fazia entender nem por seus companheiros, ao contrário de Roberts, que, mesmo em missão maquiavélica, estava perfeita.
Tão perfeita que, quando a entrevista estava apenas na metade, resolveu que era hora de ir embora e simplesmente se levantou e bateu em retirada.
Cusack, que começava a formular uma resposta, assistiu, atônito, à cena que se seguiu: de longe e com os olhos, Roberts ordenou o desmanche da mesa e deu a entrevista por encerrada.
Para os jornalistas que não entenderam a atitude inusitada da mulher mais poderosa de Hollywood, a fita de uma repórter norueguesa, estrategicamente colocada quase no colo de Roberts, serviu como esclarecimento. Nela, ouvia-se a voz da queridinha da América dizendo a Tucci: "Não aguento mais essa gente chata que mal sabe falar. Quando será que poderemos ir embora?". Isso é Hollywood.


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