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ARTES PLÁSTICAS
"Porta do Inferno" é pedra angular de Rodin
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
E ncomendada em 1880, para ser a entrada de um museu
de arte decorativa em Paris, "A
Porta do Inferno" se tornou pedra
angular da produção tardia de
Rodin. O artista dedicou anos a
fio de sua produção para encontrar a versão última deste relevo,
envolvendo a sua produção estatuária em diversos níveis.
Questões já presentes em sua escultura desde a década de 1870,
como a liberação formal da obra
de um compromisso em representar anatomicamente os corpos
e o relaxamento de uma espacialidade predeterminada na escultura neoclássica, são aqui, de um
modo ou de outro, condensadas.
Porém a obra parece ter fomentado novos campos e angústias nesta produção, sem eliminar as dubiedades do escultor.
A nova exposição de Rodin,
inaugurada recentemente na Pinacoteca do Estado, tem a "Porta"
como eixo de organização. Junto
a uma versão em gesso do relevo,
temos esculturas (em mármore,
bronze, gesso e barro), aquarelas e
desenhos do artista, além de fotografias, que nos oferecem tanto
um registro de sua produção
quanto um olhar da época sobre
seus trabalhos.
Tal organização pretende
acompanhar alguns passos que
resultaram na obra, detendo-se
na "Porta" como um episódio
central da produção de Rodin.
Tanto nos desdobramentos que
levaram a ela como nos que, lateralmente, indicaram novos campos ou saíram de lá para frente.
Nesse período de sua produção,
Rodin cristalizava algumas características modernas de seu trabalho, indicadas, segundo o escultor
William Tucker, a partir da peça
"A Idade do Bronze".
A exposição lança olhos sobre
essa modernidade peculiar de Rodin, de uma obra que, apesar de
manter vínculos estreitos com
uma figuração tradicional, não se
curva aos esquemas espaciais
neoclássicos. Que ao que tudo indica havia deixado de ser questão
e se tornado norma.
Muito generoso com seu meio,
o artista parecia buscar a potência
libertadora da escultura existente
em alguns mestres do Renascimento, no entanto, tal possibilidade não se oferecia no interior da
tradição. O artista se questiona
sobre o lugar onde residiria tal potência. Esse espírito curioso, de
uma obra que vai para diversos lados, às vezes por indecisão, às vezes buscando uma forma diversa,
é marcante na montagem.
Nenhum dos trabalhos aparece
subordinado àquela obra magna.
Surgem como episódios de um
trabalho angustiado, de um fazer
que procura uma linguagem escultórica desvinculada de uma
narrativa pré-figurada.
Dessa maneira, cada ato sobre a
argila ou o gesso é singular, muito
importante para o escultor francês, que buscava uma manifestação espiritual (a idéia) na brutalidade da pedra. Rodin procura
uma certa singularidade do gesto
ao moldar seus materiais. A estrutura de seu trabalho deve sair daí,
sem forçar a massa a dizer o que
ela não é e nem a desfigurando em
busca de um movimento que é
particular ao corpo humano.
Por isso, na "Porta", o percurso
dos corpos é esparso, não seguindo uma trajetória sequencial nem
uma linha narrativa. Se parte do
fundo opaco, em que as figuras
mal se comunicam, o espaço mais
permite que os corpos esgarçados
se distingam, em uma simultaneidade tensa, do que caminhem rumo a um destino comum.
A mão de Rodin tenta atribuir
um outro grau de humanidade ao
que molda. Busca retirar a matéria do repouso, seja do disforme,
seja de uma inércia de formas predeterminadas, e fazer com que ela
se individualize.
Essa vontade leva a uma busca
delicada das potencialidades do
material que, tateando centímetro
por centímetro, lhe encontra a superfície adequada, mas, sobretudo nos mármores, também mostra certa impaciência.
Uma vontade de fazer falar, que,
em vez de trazer o material da vigília com serenidade, lhe dá um
tranco brusco. A pedra, obrigada
a agir com exagero, se perde em
suas aspirações. E o curioso é que
tudo tão diverso nos surge como
múltiplos desdobramentos do
mesmo processo. Tal diversidade,
cuidadosamente preservada, nos
ensina que, na obra de Rodin, essa
busca talvez seja tão importante
quanto o que ele encontra.
Rodin - A Porta do Inferno
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da
Luz, 2, SP, tel. 0/xx/11/229-9844)
Quando: de ter. a dom., das 9h às 19h;
até 9/12
Quanto: entrada franca
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