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ANÁLISE
Política pesa em escolha da Academia
NELSON ASCHER
ARTICULISTA DA FOLHA
Desde o dia, cem anos atrás,
quando, embora gigantes literários como Leon Tolstói, Anton Tchekov, August Strindberg
etc. ainda estivessem vivos, uma
comissão de suecos pôs, em nome
do pai da dinamite, Alfred Nobel,
um polpudo cheque nas mãos de
um poeta francês cujo nome
(Sully Prudhomme) ninguém
mais, salvo alguns historiadores,
recorda, o prêmio literário em
questão tornou-se não apenas o
mais prestigioso do planeta como
também aquele envolvido pela
maior quantidade de especulação
e questionamento tanto antes
quanto depois de ser concedido.
O que passa pela cabeça dos
membros da Academia Sueca é
um dos mistérios da vida cultural,
mas é difícil ignorar que fatores de
ordem política pesam tanto ou
mais do que a avaliação estética
objetiva e desinteressada.
Não há como não concluir, portanto, que o Nobel de 2001, dado a
V.S. Naipaul, estilista impecável e
grande romancista que vem desempenhando o papel de mais
cáustico analista da realidade pós-colonial e que foi, além disso, o
pioneiro da crítica sem concessões ao islamismo militante, está
diretamente vinculado à apocalíptica batalha cultural, política e
agora militar entre o Ocidente e o
Islã que os atentados nos EUA colocaram no centro das preocupações contemporâneas.
Romances como "Os Mímicos"
ou o mais ambicioso de todos,
"Uma Casa para o Senhor Biswas", obras nas quais, entre outras coisas, ele ataca frontalmente
a idéia de que todos os males e
achaques das nações do Terceiro
Mundo derivam exclusivamente
das intenções demoníacas dos colonizadores europeus, haviam
rendido a Naipaul a antipatia profunda de toda a esquerda acadêmica e jornalística que insiste em
ver nos países "em desenvolvimento" vítimas dotadas exclusivamente de virtudes.
Sua principal opção estética, a
de escrever uma ficção realista
nos moldes do século 19, conspicuamente avessa à parafernália
modernista, contribuiu para que
ele fosse caracterizado como um
autor conservador em termos de
forma e de conteúdo.
Tão ou talvez no momento mais
importante do que sua prosa criativa tem sido seu trabalho jornalístico, produto de seu interesse
por sua região de origem no Caribe, da exploração das raízes de
sua família no subcontinente indiano e de suas viagens pela América Latina, África e Ásia.
Quer se concorde ou discorde
de suas opiniões, é difícil pôr em
dúvida que Naipaul, seja investigando o peronismo na Argentina,
seja explicando as incontáveis e
intermináveis guerras civis africanas, é um mestre da grande reportagem histórico-política, um gênero que em suas mãos conquista
o estatuto de alta literatura.
Seus dois livros mais relevantes
atualmente são "Entre Fiéis" e sua
continuação, "Além da Fé". O primeiro resultou da viagem que a
vitória da revolução islâmica que
levou o aiatolá Ruholah Khomeini ao poder instigou o autor a fazer ao Irã e, em seguida, ao Paquistão, Indonésia e Malásia.
Naipaul resolveu investigar a ascensão (ou retorno?) do islamismo politizado e revolucionário
não nos países árabes que haviam
dado à luz a religião do profeta,
mas naqueles outros nos quais a
fé em questão havia violentamente substituído e/ou oprimido as
culturas nativas. Suas conclusões,
confirmadas e acentuadas pela
viagem que gerou o segundo livro, não são absolutamente simpáticas ao islamismo, que ele vê,
em todos os planos, como uma
das piores e mais cruéis formas de
colonialismo e imperialismo.
Como se poderia esperar, essa
foi a gota d'água que fez do escritor o alvo de todos os tipos de ataques que o caracterizavam como
traidor dos povos oprimidos, bajulador dos ricos e dos imperialistas, conservador, reacionário.
Ironicamente, uma das críticas
mais duras às suas posições foi
feita, no começo dos anos 80, pelo
indiano também radicado na Inglaterra Salman Rushdie, um romancista talvez ainda mais interessante e talentoso, mas que, por
assim dizer, precisou ser condenado à morte pelo líder dos fanáticos iranianos antes que suas
idéias começassem a perder a ingenuidade, aproximando-se daquelas defendidas por Naipaul.
Trocando em miúdos, o Nobel
raramente é um juízo literário ou
somente literário (e, nesse quesito
específico, habitualmente falha),
mas, se os misteriosos escandinavos queriam recomendar uma bibliografia que nos ajudasse a entender o que está acontecendo no
mundo, acertaram em cheio.
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