São Paulo, terça-feira, 12 de outubro de 2004

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CINEMA

Ator não deixou de atuar mesmo depois do acidente sofrido em 1995 e emprestou credibilidade ao personagem de HQ

Reeve encarnou herói super-romântico

LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

Se até o imortal Superman morre...
O ator Christopher Reeve, que vestiu por quatro vezes a capa do mais poderoso dos seres na ficção, lutou para manter uma vida real de Super-Homem mesmo depois do acidente que o deixou com o mais fraco dos corpos.
Paralisado do pescoço para baixo, Reeve, a despeito de graves problemas respiratórios e neurológicos em função da queda de um cavalo, em 1995, não largou o cinema. E no paralelo se tornou o principal ativista de campanha mundial para que os estudos sobre células-tronco avançassem e beneficiassem de alguma forma os que sofriam paralisia.
Uma de suas maiores atuações foi na memorável aparição na cerimônia do Oscar em 1996, quando surgiu de surpresa em uma cadeira de rodas, suportado por um respirador artificial, menos de um ano após seu acidente.
Depois de uma interminável sessão de aplausos, Reeve levou o público às lágrimas em um discurso pedindo a Hollywood menos blockbusters vazios e mais filmes com causas sociais, do tipo "Platoon" (contra a guerra) e "Filadélfia" (Aids).
Aí o falível Christopher Reeve se confundia com seu personagem famoso. Reeve materializou um Super-Homem super-romântico no cinema, mas, se tivesse que optar entre a sua amada e a humanidade, ele escolheria a segunda opção.

Bonitão e desconhecido
Um novato Christopher Reeve entrou na carcaça do homem de aço aos 24 anos, em 1978, quando foi escolhido pelo diretor Richard Donner exatamente por ser bonitão e desconhecido. E com algum talento.
Não decepcionou e, egresso do teatro e de algum trabalho na televisão dos EUA, emprestou credibilidade a um papel por si só caricato, fazendo seu nome em uma área delicada de Hollywood, que é a do relacionamento da indústria de cinema com os heróis de quadrinhos.
O acidente fez de Reeve um ator limitado, mas este limite físico o fez servir involuntariamente e de modo perfeito para o papel de Jason Kemp, no remake moderno para a TV (1998) de "Janela Indiscreta", de Hitchcock, considerado um dos principais filmes da história do cinema. No filme de Hitchcock, Kemp é o sujeito paralisado que, impossibilitado de andar, fica bisbilhotando a vida alheia da janela de seu apartamento.
O paradoxo do estado em que padeceu Reeve nestes últimos nove anos e de seu supermegahiperpersonagem chega a Nietzsche. Há uma memorável cena em que o Super-Homem remeteu ao filósofo alemão e à teoria do Eterno Retorno. Foi quando, contrariado por algo que aconteceu, mas que não devia ter acontecido, ele se afasta da Terra e faz o planeta girar ao contrário de sua órbita, obrigando-o a voltar para trás e desfazer o que tinha ocorrido.
O superpensador Nietzsche também teve parte de sua vida marcada por um episódio com um cavalo. Dizem que seu último momento de sanidade aconteceu em Turim, em 1889, quando viu um cocheiro chicotear um cavalo. Nietzsche se intrometeu no ato, afastando o cocheiro, abraçando o animal e o beijando, até cair desmaiado. E aí pirou de vez.
Quanto a Reeve, a única coisa que lhe restou depois do incidente com o cavalo foi a sanidade.


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