São Paulo, segunda, 12 de outubro de 1998

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DISCO CRÍTICA
Tributo a Tim Maia é evento de reiniciação

do enviado ao Rio

"Eu Sempre Fui Sincero e Você Sabe Muito Bem", o tributo de Sandra de Sá a Tim Maia, anda na corda bamba. É a homenagem de uma artista soul de quilate a um artista soul de quilate, mas evidentemente só se torna possível graças à atração necrófila que gravadoras nutrem por mitos mortos.
É difícil imaginar que Sandra pudesse gravar tributos aos vivos Cassiano e Hyldon, ou, em outras plagas, aos vivos Toni Tornado, Wilson Simonal, Getúlio Cortes, Jair Rodrigues, todos de importância equiparável à de Tim no contexto da black music nacional.
Tim sai da gaveta agora porque é produto estritamente mercadológico, vendável. Mas, bem, seja como for, Sandra se desincumbe da tarefa com máxima dignidade.
Produção e arranjos, levados por Guto Graça Mello e Márcio Miranda, são conservadores, fincados em soul e funk da velha escola -o que, se mediocriza os resultados, afinal não deixa de se afinar com o espírito do que poderia ser um bom tributo a Tim Maia.
Mas se trata de Sandra de Sá, e isso significa duas coisas. Primeiro, que o encontro com Tim rende a ela um disco de soul e funk e suingue pesados -ainda que caretas- como ela não vinha podendo realizar havia anos e anos e anos.
Funks como "Sossego" (com citação a Jair Rodrigues), "Flamengo", "A Festa do Santo Reis" e "Batata Frita, o Ladrão de Bicicleta" reatam o fio interrompido talvez no início dos 80, em "Olhos Coloridos" e "Demônio Colorido" (de Sandra ainda compositora, note-se) -o pop Brasil seria outro se ela não o houvesse abandonado.
Segundo, que baladões soul classudos como "Azul da Cor do Mar", "Eu Amo Você" e "Pudera" (agora despida da breguice) flagram a intérprete disposta a (re)conquistar o título de diva da voz negra brasileira. Barbada.
Parece evento de abertura de um novo momento. Na sequência, Cláudio Zoli lança "Férias" (o título é o de uma canção de Cassiano), com a produção modernizadora de João Marcello Bôscoli, filho da antiga diva soul Elis Regina.
Cassiano e Hyldon preparam novos trabalhos, com a perspectiva prévia de lançamento de sempre -ou seja, quase nenhuma. Sandra enfrenta o desafio de um próximo trabalho, já que os feitos restabelecedores de agora não são mais que óbvios e naturais, já que se servem do riquíssimo legado de Tim Maia.
Tudo somado, parece que no final dos 90 a soul brasileiro volta, finalmente, a respirar.
Seu futuro é, como sempre foi, incerto. Mas parece de novo existir -até há pouco, havia virado pó. O perigo de agora é o de sempre: a burrice inalienável das gravadoras no Brasil.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES) ²
Disco: Eu Sempre Fui Sincero e Você Sabe Muito Bem Artista: Sandra de Sá Lançamento: WEA Quanto: R$ 18, em média


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