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Os estragos da bomba
e um olhar feminino
Divulgação
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A autora Jasmina Tesanovic, que vive em Belgrado e escreveu sobre as transformações da cidade durante o conflito |
Relatos sobre Belgrado durante o bombardeio da Otan feitos via Internet pela escritora sérvia Jasmina Tesanovic viram livro e filme
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SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada
"Este não é um livro normal, mas,
aqui em Belgrado,
não se vive mais
uma vida normal.
Nossos filmes, livros e discos são parte de uma
mesma família cultural, em que o
único laço é o medo."
A escritora sérvia Jasmina Tesanovic, 45, estava em Belgrado (capital da Iugoslávia) quando o
conflito entre os separatistas albaneses do Kosovo e o exército sérvio se intensificou, no início do
ano. Na sequência, veio o bombardeio da Sérvia. O dia-a-dia dos
habitantes de Belgrado, então,
mudou radicalmente.
Em "Uma Guerra que Fosse
Sua" ("A War of My Own"), Jasmina relata, em forma de diário,
os acontecimentos em sua vida
particular e na de seus amigos e
familiares, durante o período.
Jasmina conta que escreveu o livro como uma terapia particular,
um pouco por dia, e que não pensava em publicá-lo. Porém, quando uma amiga sueca lhe perguntou por e-mail como ela estava,
Jasmina diz não ter tido forças para responder e mandou-lhe todo
o diário via Internet.
A amiga jogou o texto na rede, o
diário acabou indo parar nas
mãos de uma editora espanhola e
foi editado e traduzido para o espanhol, português e inglês.
Jasmina é romancista, poeta e
roteirista de cinema. Nasceu em
Belgrado e viveu no Egito e na Itália, onde estudou literatura. Traduziu para o sérvio obras de Italo
Calvino, Joseph Brodsky e outros.
No último Festival Internacional de Cinema de Veneza, em setembro, Jasmina lançou um filme,
produzido por uma televisão alemã, tendo o seu diário como inspiração. "É um dos únicos filmes
artísticos rodados na Iugoslávia
durante os bombardeios."
Leia a entrevista que Jasmina
concedeu à Folha, por telefone,
de sua casa, em Belgrado.
Folha - Por que você deu o nome ao livro de "Uma Guerra que
Fosse Sua", numa analogia ao
título do livro de Virgínia Woolf
("A Room of My Own")?
Jasmina Tesanovic - O nome
original deveria ser "A Moral
Opera by a Political Idiot" (Uma
Ópera Moral por um Idiota Político). Me inspirei no escritor Giacomo Leopardi (1798-1837), que
também fez uma "ópera moral".
Quando o título chegou ao editor,
ele achou que uma "ópera moral"
era muito "intelectual e irônico".
Então sugeri "A War of My Own",
um pouco menos intelectual, mas
ainda bastante irônico. Além disso, gosto muito de Virgínia
Woolf.
Folha - Você se diz uma idiota
política vivendo hoje na Sérvia.
Por quê?
Jasmina - Uso o conceito de
idiota político como era utilizado
na filosofia grega, para falar daqueles a quem é negada a informação. Isso corresponde, hoje, na
Sérvia, à maioria dos homens e a
todas as mulheres.
Folha - Você acompanha a imprensa estrangeira?
Jasmina - Sim, e acho que a
CNN, a BBC e as outras não permitem a compreensão de situação alguma. Essas emissoras mostram os conflitos somente quando eles explodem, arrancando-os
do contexto e priorizando os mais
dramáticos. Fazem uma colagem
de cenas de horror.
Folha - O que você considera
errado na visão da imprensa estrangeira sobre a Iugoslávia?
Jasmina - Eu odeio a idéia de
que os Bálcãs são um lugar caótico, que o conflito religioso aqui é
um problema insolúvel há milhares de anos. Isso é mentira, cada
enfrentamento tem uma história
particular e uma causa político-econômica muito específica.
Não existe um caos religioso ou
um furor de nacionalismos, também não vivemos em guerra civil.
Os conflitos são uma luta por poder e dinheiro, é por isso que se
derrama sangue aqui. A independência de países como a Eslovênia, a Macedônia, a Bósnia e a
Croácia se deu porque grupos influentes queriam criar seus próprios países com novos governos
e novas elites. Está longe de ser
uma identidade cultural comum.
Folha - A guerra já acabou?
Jasmina - Não, ainda estamos
vivendo nela. Temos uma lei marcial, não há comida nem remédios. A economia também é de
guerra. Neste momento, minha
mãe está morrendo num hospital
porque não existem aqui os remédios de que ela precisa.
Folha - E como é a vida de uma
escritora neste contexto?
Jasmina - Ninguém jamais viveu só de arte na Iugoslávia. Escrever ou fazer música sempre
significou ter dinheiro ou alguma
outra atividade paralela. Agora,
com a situação desde o início dos
bombardeios, isso piorou.
Folha - Como você faz para publicar os seus livros?
Jasmina - Sempre dei aulas,
aqui, na Itália, na Alemanha.
Além disso, busco fazer contatos
com patrocinadores estrangeiros,
o que viabiliza muita coisa. O filme-documentário (que leva o nome do livro "Uma Guerra que
Fosse Sua") foi feito em parceria
com uma produtora alemã, sou
diretora e atriz.
Folha - Como você se sente ao
assisti-lo?
Jasmina - Falar sobre o filme,
em palestras ou entrevistas, é
muito bom, me faz sentir orgulhosa de tê-lo realizado. Mas
quando eu o assisto a sensação é
diferente, fico horrorizada, tremo, a guerra me vem à cabeça.
Folha - Existe censura?
Jasmina - Não, existe anarquia.
A grande imprensa, jornais e TVs,
é vigiada. Mas não o que se publica em imprensa regional ou na alternativa, manifestos, poemas e livros que enfrentam o regime,
porque o governo não tem como
fiscalizar. É o caos depois da destruição.
Folha - Mas essa produção alternativa existe?
Jasmina - É pouca, mas existe.
A maioria dos escritores não tem
dinheiro. A maior produção, pelo
menos literária, vem de sérvios
que vivem fora da Iugoslávia.
Folha - E na música?
Jasmina - As bandas de rock,
que sempre foram bastante comerciais e alinhadas com o pop
inglês ou americano, estão fazendo um som mais agressivo, mais
afirmativo, com uma temática nacionalista. Acho isso muito interessante, é uma tentativa da juventude de se defender.
Mas a nova geração é nacionalista a um grau muito perigoso,
querem afirmar que não são "assassinos por natureza" (referência ao filme de Oliver Stone), mas
acabam dando uma resposta
agressiva como se assumissem este selo.
Folha - Você gostaria de deixar
a Iugoslávia?
Jasmina - Quando vejo a independência de uma ex-república
iugoslava sinto inveja, gostaria de
poder me separar também. Não
de me separar da ditadura sérvia,
mas de escapar ao destino que me
foi traçado. Acho que queria me
separar de mim mesma. Não
adianta sair daqui, levo meu país
comigo.
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