São Paulo, Sexta-feira, 12 de Novembro de 1999
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FESTIVAL MIX BRASIL
Bacon tem ar de gay perverso em "Love Is the Devil"

ALVARO MACHADO
especial para a Folha


Francis Bacon (1909-1992), o maior pintor britânico do século, teria gostado de assistir a "Love Is the Devil", que transpõe para a telona os dias mais fulgurantes de sua existência, nos anos 60 e início dos 70. Isso porque, segundo o que o próprio filme mostra e as más línguas confirmam, o artista se deliciava com lauréis e prazeres mundanos tanto quanto amava se entregar a sua obra.
Ao mesmo tempo, é provável que Bacon odiasse esse primeiro longa-metragem do diretor londrino John Maybury. Não por ele ter sido retratado, na maior parte do tempo, como um gay perverso. Isso talvez não o irritasse, pois o cultivo de virtudes nunca foi seu forte, como mostra a situação central do filme, verídica. Nela, um ladrão invade a casa do pintor e é convidado por ele, numa conversa tilintante, a compartilhar um leito ainda quente. O larápio ocasional era o pugilista amador George Dyer, que se tornou sucessivamente amante, modelo, muso e capacho do artista.
Não é difícil imaginar o que Bacon teria detestado no filme: o kitsch, que se aninha na tentativa da fotografia de imitar formas e estilo do pintor por lentes deformantes, de espelhamentos que simulam dípticos e trípticos baconianos e outros quetais. Nessa parafernália que pretende substituir as telas expressionistas, somente as alusões à luz e à paleta do pintor são justificáveis.
A paródia fotográfica é ecoada pelo roteiro maniqueísta, que se contenta com a face deletéria do protagonista. Verdadeiros artistas não costumam ter comportamento edificante, reza a história. Gênios perseguem um conceito artístico e ignoram, ou desprezam, tudo o mais; ou, em sua ânsia de reconhecimento, tornam-se monstros. Seria prudente lembrar, contudo, que o atormentado dublinense prestava-se também a longas e didáticas entrevistas.
"Love Is the Devil" prefere deleitar-se na titilação da crueldade, com Bacon se masturbando diante de "O Encouraçado Potenkim"; Bacon vibrando quando o sangue de um boxeador atinge seu rosto.
Melhor esquecer de que se trata, supostamente, da personalidade de um dos maiores pintores contemporâneos e assistir ao espetáculo de uma densa relação sadomasoquista, em que o fardo da submissão oscila do pólo do amante mais velho para o do rapagão forte, mas de caráter frágil. Fácil embarcar, já que "Love" oferece as interpretações memoráveis de Derek Jacobi (Bacon) e Daniel Craig (Dyer). O primeiro desferindo raios frios das pupilas, e o segundo se desmontando sob tortura psicológica e droga.


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