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São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Mostra remete aos primórdios da televisão

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ainda é tempo de assistir aos trabalhos de Roberto Rossellini (1906-1977) feitos para a televisão exibidos na ampla retrospectiva do diretor em curso em São Paulo.
Mostra semelhante se realizou em Paris há dois anos, com curadoria de Adriano Aprá, que organizou o livro "A Televisão como Utopia", publicado pela revista "Cahiers du Cinéma".
Além de uma apresentação crítica do editor, o livro traz artigos, pronunciamentos e entrevistas de Rossellini, que revelam percepções provocativas sobre a TV e o cinema de seu tempo.
Nos anos 60, os filmes neo-realistas de Rossellini inspiraram a nouvelle vague francesa e diversos outros cinemas novos, entre os quais o brasileiro.
Um cinema de poucos recursos, muitas externas, pouco estúdio, atores não profissionais, um toque -maior ou menor- de melodrama, que até hoje repercute no panorama mundial.
Mas, no mesmo período, o diretor opera uma mudança radical em seu trabalho, negando o que denomina "mística do cinema".
Rossellini favorece o distanciamento, a razão, o pensamento, em oposição à emoção típica do que define como "cinema convencional".
Curiosamente é na TV que o diretor realiza esse projeto antiespetáculo. O então recém-inaugurado (na Itália) meio de comunicação cativou o diretor, que associou a ele uma utopia de democratização do conhecimento comparável à que hoje cerca a internet.
Em carta de 1966 dirigida aos participantes do Festival de Pesaros, palco dos cinemas novos, o diretor homenageado diz que o "seu" cinema novo não trata das "patologias humanas"; se coloca contra os que "choram o progresso" e defende um programa de experimentação de linguagem e difusão de cultura à base de documentários históricos feitos para a TV.
Outros textos contidos no livro expressam teses polêmicas como a de que o cinema teria morrido, aprisionado por orçamentos milionários, pela produção da emoção fácil; ou que a ficção estaria esgotada, justificando o movimento em direção a um programa didático.
Rossellini tinha para a televisão um projeto enciclopédico. O diretor realizou seriados "macro", filmados em 35 mm, que tratam da história geral da humanidade. Esses trabalhos seriam complementados por obras pontuais sobre períodos, lugares ou personalidades específicas.
A TV e o cinema seguiram o rumo oposto. As produções alternativas de Rossellini não repercutiram.
As questões que o diretor levantou permanecem, no entanto, sem respostas.
Filmes e seriados resultantes desse projeto "civilizador", como "A Era de Cosme de Médicis", "Sócrates" ou "A Índia Vista por Rossellini", entre outros, podem ser vistos até domingo no Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611); até sexta-feira no Cinusp (r. do Anfiteatro, 181, tel. 0/xx/11/3091-3540) e até amanhã no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3082-0213). Vale conferir a programação dessa mostra.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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