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ANÁLISE
Mostra remete aos primórdios da televisão
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ainda é tempo de assistir aos
trabalhos de Roberto Rossellini (1906-1977) feitos para a televisão exibidos na ampla retrospectiva do diretor em curso em
São Paulo.
Mostra semelhante se realizou
em Paris há dois anos, com curadoria de Adriano Aprá, que organizou o livro "A Televisão como
Utopia", publicado pela revista
"Cahiers du Cinéma".
Além de uma apresentação crítica do editor, o livro traz artigos,
pronunciamentos e entrevistas de
Rossellini, que revelam percepções provocativas sobre a TV e o
cinema de seu tempo.
Nos anos 60, os filmes neo-realistas de Rossellini inspiraram a
nouvelle vague francesa e diversos outros cinemas novos, entre
os quais o brasileiro.
Um cinema de poucos recursos,
muitas externas, pouco estúdio,
atores não profissionais, um toque -maior ou menor- de melodrama, que até hoje repercute
no panorama mundial.
Mas, no mesmo período, o diretor opera uma mudança radical
em seu trabalho, negando o que
denomina "mística do cinema".
Rossellini favorece o distanciamento, a razão, o pensamento,
em oposição à emoção típica do
que define como "cinema convencional".
Curiosamente é na TV que o diretor realiza esse projeto antiespetáculo. O então recém-inaugurado (na Itália) meio de comunicação cativou o diretor, que associou a ele uma utopia de democratização do conhecimento
comparável à que hoje cerca a internet.
Em carta de 1966 dirigida aos
participantes do Festival de Pesaros, palco dos cinemas novos, o
diretor homenageado diz que o
"seu" cinema novo não trata das
"patologias humanas"; se coloca
contra os que "choram o progresso" e defende um programa de
experimentação de linguagem e
difusão de cultura à base de documentários históricos feitos para a
TV.
Outros textos contidos no livro
expressam teses polêmicas como
a de que o cinema teria morrido,
aprisionado por orçamentos milionários, pela produção da emoção fácil; ou que a ficção estaria
esgotada, justificando o movimento em direção a um programa didático.
Rossellini tinha para a televisão
um projeto enciclopédico. O diretor realizou seriados "macro", filmados em 35 mm, que tratam da
história geral da humanidade. Esses trabalhos seriam complementados por obras pontuais sobre
períodos, lugares ou personalidades específicas.
A TV e o cinema seguiram o rumo oposto. As produções alternativas de Rossellini não repercutiram.
As questões que o diretor levantou permanecem, no entanto,
sem respostas.
Filmes e seriados resultantes
desse projeto "civilizador", como
"A Era de Cosme de Médicis",
"Sócrates" ou "A Índia Vista por
Rossellini", entre outros, podem
ser vistos até domingo no Centro
Cultural São Paulo (r. Vergueiro,
1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611); até
sexta-feira no Cinusp (r. do Anfiteatro, 181, tel. 0/xx/11/3091-3540)
e até amanhã no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 0/xx/11/3082-0213). Vale conferir a programação dessa mostra.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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