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"LUTERO"
Filme converte líder protestante em herói carregado nas tintas
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS
"Lutero", o filme, tinha tudo para dar errado. Em
primeiro lugar, trata-se de uma
produção que se dispõe a retratar
como herói o reformador protestante visto por metade do mundo
cristão como herético. Além disso, pretende ser historicamente
preciso, o que poderia ter gerado
tecnicalidades intraduzíveis para
a telona.
Não chego a afirmar que "Lutero" escapa a essas armadilhas,
mas é forçoso reconhecer que, dadas as condições, ele se sai relativamente bem. Tem a ajuda de um
elenco interessante, que inclui nomes como Joseph Fiennes (Lutero), Alfred Molina (João Tetzel),
Bruno Ganz (João von Staupitz) e
sir Peter Ustinov, um impagável
príncipe Frederico, o Sábio.
Esgotadas as virtudes, passemos
a alguns dos problemas. Para convencer que Lutero foi um herói
sem abrir um novo capítulo nas
guerras de religiões, o filme limita
as desavenças entre o reformador
e Roma à venda desenfreada de
indulgências, prática que hoje até
o Vaticano rejeita.
Com isso, a questão teológica da
justificação pela fé, central para o
luteranismo e para quase toda a
Reforma, fica obscurecida. É como se tudo se limitasse à ganância
de um papa que se endividou
mais do que podia. Divergências
políticas, a guerra contra os turcos
e outros pontos até são citados,
mas não são desenvolvidos.
Na tentativa de humanizar Lutero, os produtores carregaram
um pouco nas tintas. Lutero, como é óbvio, foi assaltado por dúvidas, muitas das quais ele chegou
a pôr no papel. Ao tentar levar esse aspecto para a fita, criaram um
herói meio histérico que passa
noites de desespero e se martirizando, no limiar da autoflagelação, atitude muito mais "católica"
do que "protestante".
Os produtores se revelaram
mais "protestantes" ao perseguir
quase obsessivamente a fidelidade histórica. O resultado transmite um pouco a sensação de estar
assistindo a um documentário da
BBC, mas com um problema adicional. Existem personagens demais nos 30 anos finais da vida de
Lutero para as duas horas de filme. Figuras importantes como
João Eck, adversário intelectual
de Lutero, são apenas pinceladas.
É claro que não seria razoável
esperar que a fita trouxesse todo o
debate teológico que levou à Reforma nem que se detivesse sobre
aspectos doutrinários ou cristológicos que logo dividiram os primeiros protestantes. Esses são temas que -felizmente- estão fora da alçada do cinema possível.
Apesar dessas e de outras dificuldades -inevitáveis na adaptação de biografias reais-, "Lutero" é um filme agradável e que,
mesmo denso, "flui" bem. É também uma oportunidade para
aprender um pouco mais sobre
um personagem tão intrigante e
que, a crer em Max Weber, foi decisivo para que o mundo -mais
especificamente o capitalismo-
seja como é hoje.
Lutero
Luther
Direção: Eric Till
Produção: Alemanha, 2003
Com: Joseph Fiennes, Alfred Molina
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Kinoplex Itaim, Metrô Santa Cruz,
SP Market e circuito
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