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"GOSTO DE SANGUE"
Irmãos Coen realçam os equívocos
PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Há algo de imponderável e
patético que assombra o sucesso dos personagens dos filmes
de Joel e Ethan Coen. Pais duros,
esses cineastas julgam seus filhos
sempre como boçais, quando não
cruéis, reféns cujo destino está
entregue ao acaso.
É uma descrença que eles têm
na ação humana, recorrente em
toda a sua filmografia, desde o
primeiro longa, o noir "Gosto de
Sangue", rodado em 1982 e lançado dois anos depois. Agora ele
chega aos cinemas em nova versão, "director's cut", com minuto
a menos e mudanças quase mínimas, o que evidencia o quanto esses cineastas também suspeitam
da sagacidade alheia.
Em "Gosto de Sangue", a tal engrenagem superior que seqüestra
os personagens para um desfecho
patético e maior que eles funciona bem. Sobretudo porque aqui
estamos no mais cinefílico dos filmes da dupla, mas feito sob baixo
regime orçamentário, o que exige
certa dose de talento.
No noir, a trama sempre se
apóia na animalidade que alimenta a sobrevivência humana, e
aqui a ironia é levada a um extremo atípico no gênero. Só Orson
Welles, no também noir "A Dama de Shangai" (47), sorriu
amargo sobre a falta de sagacidade de seu protagonista. Mas a diferença é que Welles se colocava
(fisicamente) ao lado do otário,
ao passo que os Coen avistam tudo do alto, como deuses.
Um marido traído contrata um
detetive (M. Emmet Walsh) para
assassinar sua mulher (Frances
McDormand) e o amante (John
Getz). O assassino, percebendo
que de repente é melhor matar
uma pessoa apenas, tenta trapacear o mandante.
É ele, então, quem derrubará a
primeira peça que fará o dominó
desmoronar, num mecanismo típico dos Coen. Os equívocos vão
tomando as rédeas da trama. Os
imprevistos aumentam como bola de neve e a metáfora escolhida
pela dupla cineasta é a mancha de
sangue que parece jamais sair do
enquadramento. Não há visão
distópica mais brutal que essa.
Esse olhar niilista e altivo, que já
começa o filme dissertando sobre
o Texas ser a terra do cada um por
si, é menos aguda que arrogante,
um olhar de superdeus assistindo
à incompetência do homem na
Terra, que só toma ciência das
coisas no último instante de vida
(ou de filme). Basta lembrarmos
dos boçais cujos projetos sempre
caem por terra em "Matadores de
Velhinha", do escritor em vazio
criativo de "Barton Fink" ou o sucesso acidental dos bambolês
criados pelo nerd da comédia capriana "Na Roda da Fortuna".
Não sendo uma comédia de erros, o filme desenha um destino
doído a seus desgraçados, falência plena de projetos. No mais,
"Gosto..." é um belíssimo exercício de cinema independente, levado por uma câmera que conduz o
espectador para dentro da trama,
além da sua moderníssima secura
narrativa que destoa do lamê presente no resto da supervalorizada
filmografia dos irmãos Coen.
Gosto de Sangue
Blood Simple
Direção: Joel Coen
Produção: EUA, 1984
Com: Dan Hedaya, Frances McDormand
Quando: a partir de hoje no Cineclube
DirecTV e no Frei Caneca Unibanco
Arteplex
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