São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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HISTÓRIA

Onda de lançamentos se concentra nos atores da resistência ao regime brasileiro, seja com armas ou pela imprensa

Ditadura militar retorna às prateleiras

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

No ano em que se completam três décadas da morte de Vladimir Herzog, os atores da resistência à ditadura militar no Brasil, seja na luta armada, seja no front da imprensa, estão no foco de uma onda de lançamentos que contemplam os anos que se seguiram ao golpe de 1964.
Há desde uma edição ampliada de "Memórias de Esquecimento", que em 2000 deu o Prêmio Jabuti ao jornalista Flávio Tavares, um dos 15 presos políticos libertados na "troca" com o embaixador americano Charles Elbrick, até um livro sobre o envolvimento do regime no fim da Panair do Brasil e uma compilação de reportagens que mudaram os rumos do país.
"Vinte anos depois da posse do primeiro presidente civil, estamos chegando a um período mais apropriado para discutir alguns detalhes, temas mais sensíveis, tanto para a direita como para a esquerda", avalia Fernando Molica, que organizou com Marcelo Beraba, ombudsman da Folha, o livro "Dez Reportagens que Abalaram a Ditadura Militar".
Molica cita exemplos de trabalhos que abalaram o regime, como a cobertura do caso Riocentro ("o governo Figueiredo praticamente acabou ali"), feita em 1981 por Fritz Utzeri para o "Jornal do Brasil". Ou o caso Delfin, em reportagem de José Carlos de Assis, publicada na Folha em 1982.
"Esta aprofundava a discussão sobre a possibilidade de negociatas com dinheiro público. Essas matérias formam uma espécie de agenda da sociedade civil naqueles tempos: direitos humanos, fome, corrupção."
Fundador e líder do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e ex-líder da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Aluízio Palmar dedicou 26 anos de sua vida à investigação de uma emboscada da qual quase foi vítima: em 1974, um grupo de exilados políticos, que viveu no Chile e na Argentina, foi atraído de volta ao Brasil, para uma falsa retomada da resistência armada. Dos sete "convidados", apenas Palmar sobreviveu. A operação, conhecida como Juriti, envolvia o recrutamento de agentes do próprio meio da esquerda, a promessa de logística e o fuzilamento dos militantes, a maioria deles no Parque Nacional do Iguaçu. A história é contada em "Onde Foi que Vocês Enterraram Nossos Mortos?".
"Ao longo dessa busca, comecei a reconstruir minha própria trajetória e a história das crises nos grupos de ação armada, da opção pela resistência pacífica e desta última tentativa de voltar às armas", lembra Palmar.
Em "Náufrago da Utopia", Celso Lungaretti, que durante anos foi tido como um delator, relata seu envolvimento com a guerrilha, aos 18 anos, nas décadas de 60 e 70, para resgatar a memória de alguns personagens esquecidos. Segundo ele, à sombra de uma estranha tendência a se considerar que os que optaram pelas armas colheram o que plantaram.
"Acho deprimente que pessoas pacíficas como Herzog tenham sido mortas. Mas há outros que os jornalistas, que não concordavam com a luta armada, não lembram. É preciso lembrar que os militares eram como uma tropa de ocupação, não muito diferente da que a Resistência Francesa enfrentou na Segunda Guerra. Lá, eles são venerados; aqui, há uma vontade de que essa página seja virada", diz Lungaretti.
Em "Memórias do Esquecimento", Flávio Tavares acrescenta novos detalhes sobre a ajuda do governo cubano à luta armada brasileira, pelas mãos de Herbert José de Souza, o Betinho.
"Nas edições de seis anos atrás, lembrei que Brizola, ao voltar do exílio, revelou ter recebido fundos de Cuba, mas parei aí. Agora, retomo o tema em detalhes e conto até uma cena hilariante do Betinho, ao chegar a Buenos Aires, na volta de Cuba, quando maços de dólares caíram ao chão no momento em que ele apresentou o passaporte", adianta Tavares.


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