São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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LIVROS

CRÔNICA


Coletânea aborda cotidiano de Londres, cidade onde o autor vive desde 78

"Cataplum" de Lessa é lição de modernidade e nostalgia

30.ago.99/France Presse
Carnaval no bairro londrino de Notting Hill, um dos temas do livro


MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Profissionais da velha-guarda costumam dar uma dica meio cínica, mas não destituída de sentido, sobre como escrever artigos de jornal. Se você tem duas idéias a respeito de determinado assunto, não escreva nada. Se tiver uma idéia só, muito bem. O melhor artigo, contudo, é aquele que se limita a meia idéia. Não mais.
As crônicas de Ivan Lessa em "O Luar e a Rainha" talvez não tenham nem isso. Escritas para o site www.bbcbrasil.com, são curtíssimas (às vezes só três ou quatro parágrafos) e não têm outra pretensão além de funcionar como rápidos e amenos "despachos" noticiosos em torno do cotidiano de Londres -cidade onde o autor vive desde 1978, "sem voltar ao Brasil sequer para umas feriazinhas".
Mas ele está mais à vontade do que nunca no português do Brasil. Tanto tempo de exílio voluntário talvez tenha preservado em Ivan Lessa um gosto pela informalidade de estilo que não se encontra facilmente nos escritores brasileiros hoje em dia.
Se pensarmos na sem-cerimônia com que Mário de Andrade usava os pronomes, em plena década de 20, parece ter havido mesmo um retrocesso. Não que todo mundo tenha virado parnasiano: mas perdeu-se aquele empenho "político" de construir uma escrita coloquial, provocativamente descuidada, brasileiríssima, que caracterizava a literatura modernista.
No jornalismo, esse projeto foi retomado pela geração do "Pasquim", no começo da década de 70. Ao lado de Millôr Fernandes, Ziraldo, Jaguar, Sérgio Augusto e Paulo Francis, Ivan Lessa foi uma das estrelas daquele semanário, escrevendo -para variar- como correspondente em Londres.
O restaurante indiano da esquina, as cabines telefônicas vermelhas, a caça à raposa, a nudez de Yoko Ono, o leilão do piano de John Lennon, as multas por excesso de velocidade da princesa Anne, a linguagem incompreensível do críquete, o dia-a-dia nos estúdios da BBC, a guerra do Iraque, os incontáveis resultados de pesquisas divulgados pela internet: qualquer desses assuntos serve para escrever um tipo de crônica que não aposta no lirismo, na reflexão melancólica, nem mesmo na ironia, e sim numa beleza especificamente jornalística: a da nitidez dos fatos, do recorte preciso de uma situação, que cabe reproduzir quase sem comentário, numa nota rápida e informativa, como que vaidosa de sua desimportância.
É assim que a linguagem de Ivan Lessa acaba chamando a atenção pela simplicidade: na voz desse senhor de 70 anos, palavras como "tacar", "babau", "cataplum" são ao mesmo tempo uma lição de modernidade e uma discretíssima, para não dizer britânica, expressão de nostalgia.
Nostalgia, provavelmente, de um espaço público mais desarmado, cordial e frouxo, onde pessoas podiam sentar-se num banco de praça ou de bonde e trocar -como se dizia- uns dois dedos de prosa. Como nota Ivan Lessa numa de suas crônicas, isso é coisa que não dá para fazer mais -nem aqui nem em Londres; mas a prosa continua ótima.


O Luar e a Rainha
   
Autor: Ivan Lessa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (288 págs.)


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