|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS
CRÔNICA
Coletânea aborda cotidiano de Londres, cidade onde o autor vive desde 78
"Cataplum" de Lessa é lição de modernidade e nostalgia
30.ago.99/France Presse
|
Carnaval no bairro londrino de Notting Hill, um dos temas do livro |
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Profissionais da velha-guarda costumam dar uma
dica meio cínica, mas não destituída de sentido, sobre como escrever artigos de jornal. Se você
tem duas idéias a respeito de determinado assunto, não escreva
nada. Se tiver uma idéia só, muito
bem. O melhor artigo, contudo, é
aquele que se limita a meia idéia.
Não mais.
As crônicas de Ivan Lessa em "O
Luar e a Rainha" talvez não tenham nem isso. Escritas para o site www.bbcbrasil.com, são curtíssimas (às vezes só três ou quatro parágrafos) e não têm outra
pretensão além de funcionar como rápidos e amenos "despachos" noticiosos em torno do cotidiano de Londres -cidade onde o autor vive desde 1978, "sem
voltar ao Brasil sequer para umas
feriazinhas".
Mas ele está mais à vontade do
que nunca no português do Brasil. Tanto tempo de exílio voluntário talvez tenha preservado em
Ivan Lessa um gosto pela informalidade de estilo que não se encontra facilmente nos escritores
brasileiros hoje em dia.
Se pensarmos na sem-cerimônia com que Mário de Andrade
usava os pronomes, em plena década de 20, parece ter havido mesmo um retrocesso. Não que todo
mundo tenha virado parnasiano:
mas perdeu-se aquele empenho
"político" de construir uma escrita coloquial, provocativamente
descuidada, brasileiríssima, que
caracterizava a literatura modernista.
No jornalismo, esse projeto foi
retomado pela geração do "Pasquim", no começo da década de
70. Ao lado de Millôr Fernandes,
Ziraldo, Jaguar, Sérgio Augusto e
Paulo Francis, Ivan Lessa foi uma
das estrelas daquele semanário,
escrevendo -para variar- como correspondente em Londres.
O restaurante indiano da esquina, as cabines telefônicas vermelhas, a caça à raposa, a nudez de
Yoko Ono, o leilão do piano de
John Lennon, as multas por excesso de velocidade da princesa
Anne, a linguagem incompreensível do críquete, o dia-a-dia nos
estúdios da BBC, a guerra do Iraque, os incontáveis resultados de
pesquisas divulgados pela internet: qualquer desses assuntos serve para escrever um tipo de crônica que não aposta no lirismo, na
reflexão melancólica, nem mesmo na ironia, e sim numa beleza
especificamente jornalística: a da
nitidez dos fatos, do recorte preciso de uma situação, que cabe reproduzir quase sem comentário,
numa nota rápida e informativa,
como que vaidosa de sua desimportância.
É assim que a linguagem de Ivan
Lessa acaba chamando a atenção
pela simplicidade: na voz desse
senhor de 70 anos, palavras como
"tacar", "babau", "cataplum" são
ao mesmo tempo uma lição de
modernidade e uma discretíssima, para não dizer britânica, expressão de nostalgia.
Nostalgia, provavelmente, de
um espaço público mais desarmado, cordial e frouxo, onde pessoas podiam sentar-se num banco de praça ou de bonde e trocar
-como se dizia- uns dois dedos de prosa. Como nota Ivan
Lessa numa de suas crônicas, isso
é coisa que não dá para fazer mais
-nem aqui nem em Londres;
mas a prosa continua ótima.
O Luar e a Rainha
Autor: Ivan Lessa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (288 págs.)
Texto Anterior: História: Ditadura militar retorna às prateleiras Próximo Texto: Biografia/"Educação de um Bandido": Bunker e o mundo do criminoso letrado Índice
|