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QUADRINHOS
Albert Uderzo comenta o álbum recém-lançado no Brasil e se defende das críticas amparando-se no sucesso
"O leitor é o juiz", afirma autor de Asterix
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
No alto da capa, ao lado do nome do personagem principal do
livro, ainda é possível ver dois outros -R. Goscinny e A. Uderzo-
que estão lá há 44 anos, desde que
o primeiro álbum, "Asterix, o
Gaulês" (1961), foi publicado.
Mas, ao descer os olhos pela capa
de "O Dia em que o Céu Caiu", a
recém-lançada aventura do baixinho e irredutível gaulês, o leitor se
depara com outra inscrição
-"Texto e desenhos de Albert
Uderzo"- que define a situação
do personagem nos últimos 25
anos: é órfão de um pai.
Criado em 1957, como tirinha
de jornal, pelos franceses René
Goscinny (texto) e Albert Uderzo
(ilustrações), Asterix sobreviveu à
morte do autor de seus roteiros
em 1977, vítima de um ataque cardíaco aos 51 anos. Desde 1980,
Uderzo dá prosseguimento, sozinho, à série de aventuras da vila
gaulesa que resiste à invasão dos
romanos, no ano 50 a.C..
Ainda que o sucesso do personagem só tenha crescido desde
então, criando um império próprio -com inúmeras animações,
dois filmes, um parque temático e
uma vasta coleção de produtos licenciados-, os fãs das velhas histórias escritas por Goscinny e,
principalmente, a crítica acusaram uma acentuada queda de
qualidade do texto.
A inserção de alienígenas e naves extraterrestres na aventura recente foi a gota d'água, e a suspeita de que o álbum poderia ser o último de Uderzo (um senhor de 78
anos), reforçada pela semelhança
entre as capas do primeiro livro e
deste último (como que fechando
um ciclo), se transformou quase
em torcida, em prol da memória
das histórias clássicas de Asterix.
Em entrevista à Folha por telefone, Uderzo admite a má vontade dos críticos com seu texto e parece desprezá-los ("os críticos são
os críticos"), brandindo a todo
instante a enorme quantidade de
leitores que a série ainda atrai, o
que, a seu ver, justifica seu trabalho e lhe dá um selo de qualidade.
Sobre os conflitos que incendeiam a França, ele prefere não se
manifestar, alegando não se envolver em questões políticas. Mas
fala sobre sua carreira, sobre as
críticas e deixa conselhos para os
jovens quadrinistas.
Folha - Há comentários de que "O
Dia em que o Céu Caiu" seria o último livro de Asterix. É verdade?
Albert Uderzo - Espero que não e
não desejo que seja. Adoro meu
trabalho, é uma paixão que já tenho há 60 anos, não há razão para
parar agora. A menos que os leitores não se interessem mais, o que
seria uma indicação de que o trabalho envelheceu.
Folha - Quanto tempo o senhor
gasta para fazer cada livro?
Uderzo - Não há uma regra geral.
Pode ser dois meses, nove, é difícil
calcular. Há um planejamento
quando é decidida a data de lançamento, mas antes disso não há
um tempo determinado.
Folha - O novo álbum critica principalmente o gênero dos mangás
japoneses. O senhor não aprecia a
animação e os desenhos orientais?
Uderzo - [risos] Não tenho nenhuma simpatia pelos mangás, é
verdade, e faço uma pequena crítica através do Asterix. Mas já encontrei editores de mangás que
me disseram não ter também
qualquer simpatia pelo gênero de
quadrinhos franco-belgas do qual
Asterix faz parte. Não é uma guerra, mas, como há uma invasão do
mercado europeu por esses produtos japoneses, assim como já
houve pelos americanos, eu fiz
uma caricatura divertida deles.
Mas não é uma declaração de
guerra. Se os mangás continuam
vendendo, deve ser porque eles
têm alguma qualidade.
Folha - O senhor gostou dos filmes ("Asterix e Obelix contra César", 1999, e "Asterix e Obelix: Missão Cleópatra", 2002) feitos a partir de seus personagens?
Uderzo - Sim, com certeza. É claro que estou numa posição ruim
para falar sobre eles, pois não sou
produtor ou diretor dos filmes,
mas, tendo em vista o número de
espectadores que eles tiveram, diria que ficaram bons, razão pela
qual já estamos em negociações
para fazer um terceiro em 2008.
Folha - A popularidade de Asterix, que cresceu além dos limites
dos quadrinhos, era algo que vocês
almejavam ou imaginavam?
Uderzo - Nunca. Estávamos longe de prever tal sucesso. Repito
com freqüência que, se tivéssemos imaginado isso tudo, teríamos sido mais prudentes na criação dos personagens porque eles
foram feitos muito rapidamente,
para sair no jornal. Tínhamos
pressa para criar algo novo a cada
dia, mas havia, talvez, uma espontaneidade na criação que gerava
certa regularidade.
Folha - A importância e a popularidade dos quadrinhos em geral
também aumentaram bastante. O
senhor acredita que as HQs desempenhem um papel educativo?
Uderzo - Sim, ainda que não
substituam a literatura. Quando
criança, eu só lia livros clássicos,
nada de quadrinhos. Mas acredito
que eles sirvam para introduzir as
crianças na leitura, porque a HQ é
mais fácil de ler do que o livro, as
imagens ajudam na compreensão. Temos uma instituição na
França chamada Ler e Fazer Ler,
para alfabetizar crianças, e usamos quadrinhos para, depois, levá-las à leitura dos clássicos.
Folha - Quais são as diferenças
entre as aventuras de Asterix que o
senhor escreve sozinho e aquelas
que criou com Goscinny?
Uderzo - Não cabe a mim dizer, é
uma pergunta que deve ser feita
aos leitores. A resposta também
não cabe aos críticos, que não têm
sido simpáticos a mim desde que
comecei a criar as histórias sozinho. Meu critério é a satisfação
que os leitores obtêm com as histórias desde que as crio sozinho,
há 25 anos. Se os leitores não gostassem, já teriam abandonado Asterix há muito tempo.
Folha - O senhor costuma reler as
histórias antigas?
Uderzo - Não, não é meu estilo
olhar para o que já passou. Há
uma evolução nítida desde a criação, sobretudo no aspecto gráfico
da obra, porque, como já disse,
criávamos muito rapidamente no
começo. Se eu pudesse refazer os
primeiros álbuns, eu o faria, mas
mantendo os textos de Goscinny,
que têm muita qualidade.
Folha - E o que o senhor considera
qualidade em quadrinhos?
Uderzo - Há muitas qualidades
nos quadrinhos, a principal é
agradar ao leitor, porque ele é o
juiz. Se ele não gostar, não vai
comprar. É simples assim.
Folha - E que conselhos o senhor
daria aos quadrinistas iniciantes?
Uderzo - Atualmente as HQs
movimentam muito dinheiro e a
carreira adquiriu um status que
não tinha antes, quando a profissão era praticamente inexistente e
muito mal remunerada. Para os
jovens desenhistas, eu diria que
não entrassem na profissão para
ganhar dinheiro, mas por amor,
pois o leitor vai notar. Desenhistas não são máquinas de fazer dinheiro; o iniciante não pode se
preocupar se sua obra vai funcionar ou não, em termos de vendas.
Esses são o pior erro e a pior decepção que um jovem pode ter. É
preciso tentar livremente.
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