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LITERATURA
"Clube dos Anjos" é o segundo romance do escritor e integra a coleção sobre os pecados capitais da Objetiva
Verissimo une misoginia e religião à gula
CYNARA MENEZES
da Reportagem Local
A receita: tome punhados de
misoginia, gotas
de Shakespeare,
pitadas de religiosidade, um
pouco de autocomplacência
mesclada a colheradas de real fracasso pessoal e adicione algum
suspense. Misture tudo e talvez você não chegue nem perto do toque
de gourmet de Luis Fernando Verissimo em "O Clube dos Anjos".
O livro, o terceiro da série "Plenos Pecados", que traz os sete pecados capitais como ponto de partida para a criação ficcional, tem
como gancho a gula - Zuenir
Ventura escreveu "Mal Secreto" a
partir da inveja e José Roberto Torero, "Xadrez, Truco e Outras
Guerras", sobre a ira.
A sair nos próximos meses, as visões de João Ubaldo Ribeiro sobre
a luxúria, de João Gilberto Noll sobre a preguiça, do argentino Tomás Eloy Martinez sobre a soberba
e do chileno Ariel Dorfman sobre a
avareza.
A gula foi mesmo a escolha certa
para o escritor gaúcho. "É um pecado que engloba quase todos os
outros e era o que eu exercia com
mais competência, até ser forçado
a desistir por questões de saúde",
diz Verissimo, 62.
Romance policial
Em "O Clube...", ele optou pelo
tom de romance policial, embora
não apareça nenhum detetive na
história. Um decadente grupo de
dez amigos, amantes da boa comida, se reúne há mais de 20 anos,
mensalmente, para lautos jantares
regados aos melhores vinhos.
Por uma razão que o leitor desconhece, os membros do clube começam a morrer após os banquetes oferecidos por um misterioso
cozinheiro -e mais não se diz sobre a história porque perderia a
graça.
Os nomes dos personagens, todos bíblicos, e a postura do mais
erudito e gourmet entre todos eles,
faz lembrar a Santa Ceia, com Cristo e seus apóstolos reunidos ao redor, desta vez, de muito mais do
que pão e vinho. Segundo Verissimo, a intenção foi revelar os segredos por trás dos chamados "Clubes do Bolinha".
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Misoginia
"Queria escrever um pouco sobre a mística das sociedades masculinas, com sua misoginia implícita e suas implicações freudianas,
e a turma da Bíblia é um dos protótipos disso", afirma.
A própria escolha do "Rei Lear"
para pontuar em frases solenes as
mortes que vão se sucedendo reforça essa motivação, por ser, diz
Verissimo, "a peça mais misógina"
de Shakespeare.
Apesar de a opção pelo policial
fazer vir à mente "Cozinheiros Demais", de Rex Stout, o escritor conta que, na verdade, se inspirou em
si mesmo.
"Lembrei de um conto que tinha
escrito, sobre os últimos remanescentes de um clube de gourmets
que morrem queimados porque
não conseguem controlar o fogo
de um prato "flambé' e estão muito
gordos para fugir".
Como no conto, o tom tragicômico está presente em todo o livro,
segundo romance escrito por Verissimo, normalmente ligado ao
formato crônica e ao relato curto.
"Escrevi um romance há alguns
anos, "O Jardim do Diabo', mas
ninguém ficou sabendo", diz.
É possível rir em cada morte, do
desespero patético dos personagens, de sua existência absurda, da
infantilidade masculina que aí se
expõe às vísceras, do desejo pela
comida em contradição ao fastio
pela vida que sentem.
O peixe morre pela boca? Luis
Fernando Verissimo vai além. "Perigoso é pedir mais."
Surpreendente e saboroso, "O
Clube dos Anjos" é prato para ler
de uma garfada só.
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Livro: O Clube dos Anjos
Autor: Luis Fernando Verissimo
Lançamento: Objetiva (Coleção Plenos
Pecados)
Quanto: R$ 16,80 (130 págs.)
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