São Paulo, quinta, 12 de novembro de 1998

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LITERATURA
"Clube dos Anjos" é o segundo romance do escritor e integra a coleção sobre os pecados capitais da Objetiva
Verissimo une misoginia e religião à gula

CYNARA MENEZES
da Reportagem Local


A receita: tome punhados de misoginia, gotas de Shakespeare, pitadas de religiosidade, um pouco de autocomplacência mesclada a colheradas de real fracasso pessoal e adicione algum suspense. Misture tudo e talvez você não chegue nem perto do toque de gourmet de Luis Fernando Verissimo em "O Clube dos Anjos".
O livro, o terceiro da série "Plenos Pecados", que traz os sete pecados capitais como ponto de partida para a criação ficcional, tem como gancho a gula - Zuenir Ventura escreveu "Mal Secreto" a partir da inveja e José Roberto Torero, "Xadrez, Truco e Outras Guerras", sobre a ira.
A sair nos próximos meses, as visões de João Ubaldo Ribeiro sobre a luxúria, de João Gilberto Noll sobre a preguiça, do argentino Tomás Eloy Martinez sobre a soberba e do chileno Ariel Dorfman sobre a avareza.
A gula foi mesmo a escolha certa para o escritor gaúcho. "É um pecado que engloba quase todos os outros e era o que eu exercia com mais competência, até ser forçado a desistir por questões de saúde", diz Verissimo, 62.
Romance policial
Em "O Clube...", ele optou pelo tom de romance policial, embora não apareça nenhum detetive na história. Um decadente grupo de dez amigos, amantes da boa comida, se reúne há mais de 20 anos, mensalmente, para lautos jantares regados aos melhores vinhos.
Por uma razão que o leitor desconhece, os membros do clube começam a morrer após os banquetes oferecidos por um misterioso cozinheiro -e mais não se diz sobre a história porque perderia a graça.
Os nomes dos personagens, todos bíblicos, e a postura do mais erudito e gourmet entre todos eles, faz lembrar a Santa Ceia, com Cristo e seus apóstolos reunidos ao redor, desta vez, de muito mais do que pão e vinho. Segundo Verissimo, a intenção foi revelar os segredos por trás dos chamados "Clubes do Bolinha".
² Misoginia
"Queria escrever um pouco sobre a mística das sociedades masculinas, com sua misoginia implícita e suas implicações freudianas, e a turma da Bíblia é um dos protótipos disso", afirma.
A própria escolha do "Rei Lear" para pontuar em frases solenes as mortes que vão se sucedendo reforça essa motivação, por ser, diz Verissimo, "a peça mais misógina" de Shakespeare.
Apesar de a opção pelo policial fazer vir à mente "Cozinheiros Demais", de Rex Stout, o escritor conta que, na verdade, se inspirou em si mesmo.
"Lembrei de um conto que tinha escrito, sobre os últimos remanescentes de um clube de gourmets que morrem queimados porque não conseguem controlar o fogo de um prato "flambé' e estão muito gordos para fugir".
Como no conto, o tom tragicômico está presente em todo o livro, segundo romance escrito por Verissimo, normalmente ligado ao formato crônica e ao relato curto. "Escrevi um romance há alguns anos, "O Jardim do Diabo', mas ninguém ficou sabendo", diz.
É possível rir em cada morte, do desespero patético dos personagens, de sua existência absurda, da infantilidade masculina que aí se expõe às vísceras, do desejo pela comida em contradição ao fastio pela vida que sentem.
O peixe morre pela boca? Luis Fernando Verissimo vai além. "Perigoso é pedir mais."
Surpreendente e saboroso, "O Clube dos Anjos" é prato para ler de uma garfada só.
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Livro: O Clube dos Anjos
Autor: Luis Fernando Verissimo
Lançamento: Objetiva (Coleção Plenos Pecados)
Quanto: R$ 16,80 (130 págs.)




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