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São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

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CINEMA/ESTRÉIAS

"BIANCA"

Filme dos anos 80 é o quarto com o protagonista Michele Apicella

Misantropo faz Nanni Moretti exercitar sua maturidade

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Michele Apicella (Nanni Moretti) é um professor de matemática que, logo no início deste filme, se instala em um apartamento em Roma e bota fogo em todas as instalações sanitárias, a fim de desinfetá-las. E a fim, sobretudo, de apagar qualquer resquício de presença humana anterior a ele.
Em seguida, Michele começa a observar os seus vizinhos. Um pouco como no "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock, com a diferença de que, lá, o personagem vivido por James Stewart gostava das pessoas que observava, enquanto Michele é um misantropo, ou quase isso. Ele tem a idealização de um mundo perfeitamente organizado, lógico, racional e parece frustrar-se a cada momento com a constatação de isso ser uma impossibilidade lógica: a sociedade humana é um organismo vivo, dinâmico, falível -e, sobretudo, imperfeita e imprevisível.
Os tempos também não ajudam. Estamos em 1983, ou seja, vivia-se sobre os rescaldos de 1968; o sistema educacional havia, aparentemente, chegado ao máximo de liberdade, e o hedonismo dominante tornara frágeis as relações interpessoais.
O mundo é uma grande confusão para este homem, que possui uma formidável coleção de sapatos, idênticos, como a confirmar seu caráter maníaco -com seus sapatos é como se dissesse que é sempre o mesmo, independente do dia ou da situação.
Esse homem torna-se suspeito de alguns crimes, é preciso dizer. Mas o fato central de sua vida é, ou parece ser, o encontro com Bianca, uma bela professora por quem se apaixona de imediato. Apaixona-se pelo seu andar, antes de tudo, embora não explique muito bem o que há nele de tão especial.
É correspondido, porque Bianca se impressiona profundamente com os modos de Michele, que, como vários dos personagens de Moretti, é um homem não só curioso, mas que também questiona as pessoas com insistência (o que já torna mais rala a misantropia mencionada acima).
Michele se dá melhor com Bianca do que com seus alunos -que não são apenas livres e atrevidos, também são tremendamente sabidos. Mas, quando descobre, ao despertar, que divide sua cama com outra pessoa, é tomado por um quase sentimento de horror.
Que ninguém diga que Michele não é um personagem complexo. Mas o cinema de Nanni Moretti é, à primeira vista, bem inferior àquele que viemos a conhecer desde "Caro Diário". Como este não é o primeiro nem o último filme de Moretti com Michele Apicella como protagonista, mas é o primeiro que vejo, fica difícil dizer em que ponto de sua evolução se encontrava do personagem.
Algumas sacadas são interessantes, como a escola mais caótica do que anárquica em que leciona (Escola Marilyn Monroe). Outras parecem dar conta de uma visão que não aceita facilmente o caos e o "nonsense" do mundo -aceitação de que dá conta o filme "Caro Diário" e suas obras subsequentes.
Em "Bianca", é como se Nanni Moretti ainda estivesse amadurecendo e preparando-se para se tornar o cineasta que veio a se tornar dez anos mais tarde.


Bianca
Idem

  
Direção: Nanni Moretti
Produção: Itália, 1983
Com: Nanni Moretti, Laura Morante e Roberto Vezzosi
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco e na Sala Uol de Cinema



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