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CINEMA/ESTRÉIAS
"BIANCA"
Filme dos anos 80 é o quarto com o protagonista Michele Apicella
Misantropo faz Nanni Moretti exercitar sua maturidade
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Michele Apicella (Nanni
Moretti) é um professor de
matemática que, logo no início
deste filme, se instala em um
apartamento em Roma e bota fogo em todas as instalações sanitárias, a fim de desinfetá-las. E a fim,
sobretudo, de apagar qualquer
resquício de presença humana
anterior a ele.
Em seguida, Michele começa a
observar os seus vizinhos. Um
pouco como no "Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock, com a
diferença de que, lá, o personagem vivido por James Stewart
gostava das pessoas que observava, enquanto Michele é um misantropo, ou quase isso. Ele tem a
idealização de um mundo perfeitamente organizado, lógico, racional e parece frustrar-se a cada
momento com a constatação de
isso ser uma impossibilidade lógica: a sociedade humana é um organismo vivo, dinâmico, falível
-e, sobretudo, imperfeita e imprevisível.
Os tempos também não ajudam. Estamos em 1983, ou seja,
vivia-se sobre os rescaldos de
1968; o sistema educacional havia,
aparentemente, chegado ao máximo de liberdade, e o hedonismo
dominante tornara frágeis as relações interpessoais.
O mundo é uma grande confusão para este homem, que possui
uma formidável coleção de sapatos, idênticos, como a confirmar
seu caráter maníaco -com seus
sapatos é como se dissesse que é
sempre o mesmo, independente
do dia ou da situação.
Esse homem torna-se suspeito
de alguns crimes, é preciso dizer.
Mas o fato central de sua vida é,
ou parece ser, o encontro com
Bianca, uma bela professora por
quem se apaixona de imediato.
Apaixona-se pelo seu andar, antes
de tudo, embora não explique
muito bem o que há nele de tão
especial.
É correspondido, porque Bianca se impressiona profundamente
com os modos de Michele, que,
como vários dos personagens de
Moretti, é um homem não só curioso, mas que também questiona
as pessoas com insistência (o que
já torna mais rala a misantropia
mencionada acima).
Michele se dá melhor com Bianca do que com seus alunos -que
não são apenas livres e atrevidos,
também são tremendamente sabidos. Mas, quando descobre, ao
despertar, que divide sua cama
com outra pessoa, é tomado por
um quase sentimento de horror.
Que ninguém diga que Michele
não é um personagem complexo.
Mas o cinema de Nanni Moretti é,
à primeira vista, bem inferior
àquele que viemos a conhecer
desde "Caro Diário". Como este
não é o primeiro nem o último filme de Moretti com Michele Apicella como protagonista, mas é o
primeiro que vejo, fica difícil dizer
em que ponto de sua evolução se
encontrava do personagem.
Algumas sacadas são interessantes, como a escola mais caótica
do que anárquica em que leciona
(Escola Marilyn Monroe). Outras
parecem dar conta de uma visão
que não aceita facilmente o caos e
o "nonsense" do mundo -aceitação de que dá conta o filme "Caro Diário" e suas obras subsequentes.
Em "Bianca", é como se Nanni
Moretti ainda estivesse amadurecendo e preparando-se para se
tornar o cineasta que veio a se tornar dez anos mais tarde.
Bianca
Idem
Direção: Nanni Moretti
Produção: Itália, 1983
Com: Nanni Moretti, Laura Morante e
Roberto Vezzosi
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco e na Sala Uol de Cinema
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