São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 2009

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LIVROS

Crítica/"Barroco Tropical"

Excessos enfraquecem nova obra do angolano Agualusa

Narrativa peca por reviravoltas no enredo e profusão de personagens bizarros

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Barroco Tropical", romance do escritor angolano José Eduardo Agualusa, mostra apreço pela figura do oximoro, isto é, uma junção de termos que produz contradição engenhosa e acaba por ser reveladora da natureza das coisas.
Ao longo da narrativa, porém, é tal a profusão de personagens bizarros, reviravoltas do enredo, exibição de detalhes coloridos, que a junção dos dois termos do título parece efetuar-se como sobreposição de excessos, na qual tudo é possível.
A narrativa compila acontecimentos em torno à vida de um escritor angolano de sucesso, que perde a filha e passa a ser culpabilizado pela mulher.
É salvo do desespero pela paixão por uma cantora pop, também de sucesso e também ela atormentada -pelo próprio talento; pela doença; pelo passado do pai, antigo terrorista italiano, também internacionalmente conhecido, que participou da guerra de independência de Angola.
O escritor é, ainda, procurado por uma modelo famosa que diz ter visões de Deus e de anjos que lhe ordenam revelar ao mundo a corrupção financeira, política e moral do governo angolano. As vozes também anunciam o escritor como alguém que lhe fora destinado para que juntos gerassem um novo Messias, redentor da pátria.
Nada se cumpre, pois logo a modelo se estatela no chão, caída do céu ou atirada de um helicóptero, depois de presa e torturada.
O escritor é amigo de um antigo sapador cujo rosto foi destruído numa explosão de mina. Na falta dele, usa uma máscara do Mickey, a qual empresta ao escritor quando este tem de se disfarçar para invadir um manicômio labiríntico, que confina doidos e presos políticos. Seu idealizador é uma terapeuta-feiticeiro, com funções variadas no Estado, como a de reconstruir um imenso anjo de asas negras.

Anjo
A figura do anjo pontua todo o enredo: seja referido nos relatos de um antigo viajante húngaro, seja nas histórias sobre o assassinato de um velho amigo do escritor, seja num álbum de ilustrações de um judeu português de Amsterdã, seja mesmo como figurino de um grupo performático a tentar "despertar as massas da apatia".
Para não dizer que a cantora tinha asas negras tatuadas nas costas.
Podia seguir a enumeração de personagens -como os anões gêmeos, estilistas de uma grife angolana (de sucesso internacional)-, mas seria redundante. Quanto mais eventos e personagens bizarros irrompem na narrativa, menos o aparente vale-tudo distingue ou diferencia.
Para amarrar o conjunto, Agualusa lança mão de comentários metalinguísticos irônicos ou didáticos do escritor, que circula com desenvoltura por Luanda, Lisboa, Amsterdã e Rio, citando autores, cantores e até celebridades de TV, como Marília Gabriela.
Um dos comentários diz: "Sinto muito, mas não há realmente forma de explicar a palavra saudade a quem não vem de nossa língua". Não poderia haver melhor clichê para referir o tipo de mitologia reciclada pelo livro.
Ao fim, faz pensar que a ideia de "angolano" diz menos respeito a uma história vivida como dor e contradição num país conflagrado do que a uma senha exótica de acesso a postos globalizados, numa espécie de arrivismo pós-colonial.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp


BARROCO TROPICAL

Autor: José Eduardo Agualusa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (352 págs.)
Avaliação: ruim




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