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LIVROS
Crítica/"Barroco Tropical"
Excessos enfraquecem nova obra do angolano Agualusa
Narrativa peca por reviravoltas no enredo e profusão de personagens bizarros
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Barroco Tropical",
romance do escritor angolano José
Eduardo Agualusa, mostra
apreço pela figura do oximoro,
isto é, uma junção de termos
que produz contradição engenhosa e acaba por ser reveladora da natureza das coisas.
Ao
longo da narrativa, porém, é tal
a profusão de personagens bizarros, reviravoltas do enredo,
exibição de detalhes coloridos,
que a junção dos dois termos do
título parece efetuar-se como
sobreposição de excessos, na
qual tudo é possível.
A narrativa compila acontecimentos em torno à vida de
um escritor angolano de sucesso, que perde a filha e passa a
ser culpabilizado pela mulher.
É salvo do desespero pela paixão por uma cantora pop, também de sucesso e também ela
atormentada -pelo próprio talento; pela doença; pelo passado do pai, antigo terrorista italiano, também internacionalmente conhecido, que participou da guerra de independência de Angola.
O escritor é, ainda, procurado por uma modelo famosa que
diz ter visões de Deus e de anjos
que lhe ordenam revelar ao
mundo a corrupção financeira,
política e moral do governo angolano. As vozes também anunciam o escritor como alguém
que lhe fora destinado para que
juntos gerassem um novo Messias, redentor da pátria.
Nada
se cumpre, pois logo a modelo
se estatela no chão, caída do céu
ou atirada de um helicóptero,
depois de presa e torturada.
O escritor é amigo de um antigo sapador cujo rosto foi destruído numa explosão de mina.
Na falta dele, usa uma máscara
do Mickey, a qual empresta ao
escritor quando este tem de se
disfarçar para invadir um manicômio labiríntico, que confina doidos e presos políticos.
Seu idealizador é uma terapeuta-feiticeiro, com funções variadas no Estado, como a de reconstruir um imenso anjo de
asas negras.
Anjo
A figura do anjo pontua todo
o enredo: seja referido nos relatos de um antigo viajante húngaro, seja nas histórias sobre o
assassinato de um velho amigo
do escritor, seja num álbum de
ilustrações de um judeu português de Amsterdã, seja mesmo
como figurino de um grupo
performático a tentar "despertar as massas da apatia".
Para
não dizer que a cantora tinha
asas negras tatuadas nas costas.
Podia seguir a enumeração
de personagens -como os
anões gêmeos, estilistas de uma
grife angolana (de sucesso internacional)-, mas seria redundante. Quanto mais eventos e personagens bizarros irrompem na narrativa, menos o
aparente vale-tudo distingue
ou diferencia.
Para amarrar o
conjunto, Agualusa lança mão
de comentários metalinguísticos irônicos ou didáticos do escritor, que circula com desenvoltura por Luanda, Lisboa,
Amsterdã e Rio, citando autores, cantores e até celebridades
de TV, como Marília Gabriela.
Um dos comentários diz:
"Sinto muito, mas não há realmente forma de explicar a palavra saudade a quem não vem de
nossa língua". Não poderia haver melhor clichê para referir o
tipo de mitologia reciclada pelo
livro.
Ao fim, faz pensar que a
ideia de "angolano" diz menos
respeito a uma história vivida
como dor e contradição num
país conflagrado do que a uma
senha exótica de acesso a postos globalizados, numa espécie
de arrivismo pós-colonial.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Unicamp
BARROCO TROPICAL
Autor: José Eduardo Agualusa
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 44 (352 págs.)
Avaliação: ruim
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