|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Os "demônios" de Ian McEwan
Sai no Brasil volume que reúne os dois primeiros livros do autor britânico; o vencedor do prestigiado Booker Prize fala sobre seu começo povoado de demônios e faz texto exclusivo para a Folha
CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local
Ian McEwan já deixou para trás o
apelido que lhe davam quando ele
virava as costas: Ian McCabre. Aos
50 anos, o escritor britânico venceu no final de outubro o Booker
Prize, o prêmio literário mais importante da Europa depois do Nobel, com um livro sem incestos,
violência e loucura e com muita
pompa e circunstância.
"Amsterdam", reconhece o escritor, não tem nenhuma relação
com seus nove livros anteriores.
Seria uma espécie de primo de
quinto grau de seus dois primeiros
livros, "Primeiro Amor, Último
Sacramento" e "Entre Lençóis",
que chegam às livrarias brasileiras
na próxima semana unidos em um
volume da editora Rocco.
Em entrevista à Folha, de sua casa em Oxford, o escritor contemporâneo inglês mais prestigiado da
atualidade fez uma análise minuciosa dessas suas "primeiras histórias", escritas em um tempo em
que "perseguia seus demônios",
analisou a influência de Freud e
Kafka em sua literatura inicial e
descreveu uma experiência "extracorporal" no dia em que ganhou o
Booker Prize.
A pedido da Folha, McEwan
também escreveu seu primeiro
texto depois do prêmio, no qual
responde "Trinta Perguntas para
Ian McEwan", que o ensaísta Arthur
Nestrovski publicou no caderno
Mais! no final do ano passado.
Com vocês, a parte mais McCabre de Ian McEwan.
Folha - O sr. disse certa vez que
"poucas coisas na vida ficam melhores ao passo que se vai ficando
mais velho. Escrever é uma das delas". Sob essa perspectiva, gostaria
de saber o que o sr. pensa a respeito de seus dois primeiros livros,
que estão sendo lançados aqui?
Ian McEwan - Creio que o que
melhora é o prazer em escrever. No
tempo em que fiz esses dois livros,
achava que escrever era muito,
muito difícil. Era como se as palavras sangrassem sobre o papel. Eu
escrevia muito devagar e, frequentemente, ficava encalhado no meio
de um parágrafo, às vezes por semanas. Lembro perfeitamente a
miséria dentro da qual me via nesses momentos. Ainda que ache algumas das histórias bastante divertidas, até hoje ainda não descobri nelas onde está, ou esteve, o
prazer de escrever.
Folha - E o sr. ainda sente prazer
ao ler essas primeiras histórias?
McEwan - Já faz muitos anos que
não as leio. É um tipo de texto que
eu não escrevo mais. Mais do que
isso, eles têm algo de selvagem que
hoje acharia difícil de conseguir repetir. Eles têm um tipo de atrevimento, uma estranheza, que não
está em minha ficção hoje.
Eu tinha na época que fiz esses livros um alto grau de impaciência
com o modo de escrever dos autores contemporâneos britânicos.
Queria algo menos documental,
menos interessado em classes sociais. Estava muito influenciado
pelos escritos de Franz Kafka
(1883-1924) e de William Burroughs (1914-1997). Estava perseguindo meus demônios ou sendo
perseguido por eles.
Eu fui um adolescente muito
quieto. Escrevi esses contos no início dos meus 20 anos. Era como se
estivesse nascendo. E, nesse processo, era como se todos os tipos
de pessoas loucas falassem de mim
por meio de meus escritos.
Folha - Como assim?
McEwan - Começava escrevendo
em primeira pessoa e logo me vinha a pergunta: "Quem é esse que
está falando por mim?". Aos poucos, descobria que era um homem
louco, às vezes alguém que cometera um crime terrível, que tinha
um problema horrível. Fiquei espantado, mas continuei perseguindo lentamente essas figuras
loucas dentro de mim.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|