São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 1998

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CINEMA
Dirigido por José Sette, longa-metragem foi rodado em Juiz de Fora, em Minas, em sistema de cooperativa
Filme conta a saga de Geraldo Pereira

CARLOS HENRIQUE SANTIAGO
em Belo Horizonte

O filme "O Rei do Samba", produzido em Juiz de Fora (MG) em sistema de cooperativa, vai contar a vida do sambista Geraldo Pereira por meio de "lendas" e de músicas suas, como "Acertei no Milhar" e "Cabritada Malsucedida".
Nascido em Juiz de Fora, Pereira (1918-1955) foi criado no morro da Mangueira, no Rio.
Trabalhou como motorista de caminhão de lixo até sua morte, que seria resultado de uma briga com o malandro e homossexual Madame Satã.
Na briga, o sambista teria batido a cabeça na guia da calçada. Morreu dias depois de hemorragia interna, segundo o laudo médico.
Para o diretor do filme, José Sette, 50, a famosa briga entre dois dos maiores expoentes da malandragem carioca "não é realidade", mas, citando o cineasta John Ford, diz que é melhor "imprimir a lenda".
Segundo Sette, Pereira teria morrido, na verdade, de debilidade física causada pelo excesso de bebida e pela vida desregrada.
No filme, Sette utiliza 21 músicas de autoria do compositor, incluindo "Pisei no Despacho", para contar sua vida. "Ele nasceu no dia de São Jorge e era muito supersticioso", diz o cineasta.
O compositor Paulinho da Viola é um dos admiradores da obra do sambista. "Era um excelente cronista. Tratava do drama das pessoas comuns com humor e à sua maneira", afirmou.
Conta-se que, em 1940, ele chegou cedo ao quarto onde morava com sua musa, Isabel, e adormeceu logo. Na manhã seguinte, encontrou-a alegre e teve certeza que ela tinha saído à noite.
No mesmo dia, escreveu o samba "Acabou a Sopa", cuja letra diz: "Sem me pedir, foi ao baile, isso não se faz, eu vou lhe mandar embora para nunca mais".
Paulinho disse admirar também a qualidade melódica dos sambas de Geraldo Pereira, embora não lhe atribua a invenção do chamado "samba sincopado", um estilo com interrupções de ritmo e que descende diretamente do choro.
"Ele influenciou muita gente e sensibilizou João Gilberto, que gravou "Bolinha de Papel'. Mesmo assim, o samba dele, cantado por João, continua sendo de Geraldo Pereira", disse Paulinho da Viola.
O diretor do filme afirmou que os clipes das músicas são mais influenciados pelas chanchadas da Atlântida do que pelo estilo MTV. O título já é uma homenagem a "Rei do Samba", filme musical de Lulu de Barros.
Sette fez parte do cinema underground brasileiro, tendo produzido filmes de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Neville D'Almeida.
Em sua obra como cineasta, especializou-se em retratos de grandes artistas, como o gravador Goeldi no curta "Um Sorriso por Favor" (melhor filme e montagem do festival de Brasília de 1982) e o poeta francês Blaise Cendrars, no longa "100% Brazileiro".
˛ Cooperativa
"O Rei da Noite" foi inteiramente filmado em Juiz de Fora. Todos os técnicos e atores, cerca de 280 pessoas, trabalharam em sistema de cooperativa -a maioria não tinha experiência anterior no cinema.
O ator principal, Gérson Rosa, é segurança e, nas horas vagas, puxador de uma escola de samba local. Para poder aparecer no filme, conseguiu uma licença não-remunerada no supermercado onde trabalha.
Sette conta que seu objetivo é ampliar os negativos de 16 mm para 35 mm e tentar atingir uma audiência mais ampla, já que são poucos os que conhecem Geraldo Pereira.



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