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Após atrair 50 mil pessoas no Rio, chega a São Paulo exposição sobre a trajetória de Chico Buarque
Retratos do artista quando jovem
JANAINA FIDALGO
DA REDAÇÃO
Chico caminha na direção do
espectador ao lado de paulistas,
pernambucanos, mineiros e baianos. Enquanto ele não chega, o
trajeto para alcançá-lo é longo.
Afinal, não estamos no calçadão
do Leblon, onde se passa a cena
descrita. O percurso dessa viagem, iniciada há 60 anos, passa
pela infância na casa da rua Buri, a
visita de reconhecimento a Ismael
Silva e Noel Rosa, as parcerias
com Vinicius de Moraes, Tom Jobim e João Gilberto, os dribles de
Julinho da Adelaide na censura
militar e a paixão pelo futebol.
A visita ao compositor, cantor e
escritor é guiada por seu sobrinho
Zeca Buarque Ferreira, 30, curador de "Chico Buarque - O Tempo e o Artista". Idealizada pelo
presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago, a exposição foi inaugurada no ano
passado no Rio, em homenagem
aos 60 anos do artista, e é aberta
hoje no Sesc Pinheiros, em São
Paulo, com acréscimos, como o
discurso feito quando Chico obteve o título de cidadão paulistano.
"É um certo salto e me pareceu
um certo salto no escuro porque
eu nunca tinha feito exposição",
diz Zeca, que trabalhou com Nelson Pereira do Santos em "Raízes
do Brasil", ajudando o cineasta a
reunir material sobre os Buarque
de Hollanda. "Fiquei assustado.
Ao mesmo tempo era uma grande sedução [fazer a mostra]."
Notória, a aversão de Chico à
exposição pública toma proporções maiores quando o personagem em questão é ele. Consultado
por Corrêa do Lago, fez piada
("Pô, Pedro, eu não morri ainda
não") e, se não havia como recusar a homenagem, tratou de avisar que ficaria longe. "Liguei para
o Chico num telefonema em que
eu falei pouco e ele falou quase nada. Disse que não ia participar de
uma auto-homenagem", conta.
"Não é que ele não goste da exposição, ele não gosta de exposição."
O Chico privado aparece em raros e bons momentos. Num deles
-um retrato familiar feito no fim
dos anos 70 por sua irmã Maria
do Carmo, a Piii- está vestido
como um juiz de futebol ao lado
de Marieta Severo e das três filhas
do casal -Silvia, Luisa e Helena- vestidas com trajes antigos.
"É claro que revela um momento de intimidade, mas acho que
está no limite do aceitável", diz.
"Eu não quis expor o que ele não
queria expor. E eu não tenho essa
intimidade, não sei segredos. Que
ninguém venha à exposição esperando ver um Chico privado que
ninguém viu e agora será revelado. Não sou essa pessoa que foi lá
e vasculhou papéis."
Para não tropeçar na tênue linha divisória entre o público e o
privado, Zeca usou o particular
quando ele teve algo a contar sobre a formação do Chico artista.
Da infância, presente em "Retrato em Branco e Preto", há fotos
da família, bilhetes e uma história
em quadrinhos feita por ele. "É o
Chico criando. Quis mostrar a
construção do que ele é hoje."
Embora não seja um registro infantil, mas que remonta à riqueza
criativa dos tempos passados,
quando Chico inventava mapas
de países, há nesta parte da mostra um original de Torgona, cidade imaginária criada nos anos 70 e
desenhada no verso de um cartaz
da peça "Calabar". Em São Paulo,
o mapa ganhou uma plotagem.
Sonorizada de acordo com a
época em questão, o bloco da infância tem como trilha sonora
canções do belga Jacques Brel, frevos e marchinhas. "É uma trilha
sonora maluca. É aquela casa com
sete crianças, um radinho de pilha
e um pai historiador", resume Zeca, que teve a ajuda da tia Miúcha
para criar o set.
Em "Construção", o curador
agrupa compositores fundamentais na formação musical de Chico, com fotos e músicas de Ismael
Silva, Ataulfo Alves, Noel Rosa e
Dorival Caymmi, além de imagens dos inventores da bossa nova João Gilberto, Vinicius e Tom.
Aqui, vale se ater a uma foto em
preto-e-branco, onde se vê a escalação quase completa dos músicos brasileiros: de Braguinha a
Paulinho da Viola, passando por
Francis Hime e Zé Ketti e, é claro,
Chico. Há também um manuscrito de "A Banda" (1966) e a correspondência trocada por Chico e
Vinicius, na qual discutem a letra
de "Valsinha" (1970).
A pérola do bloco sobre sua participação na história política brasileira é um dos dois cartões enviados a Chico em 1979 e 1980, no
qual se lê um "aviso": "O Comando de Caça aos Comunistas deseja
a você, ativista da canalha comunista que enxovalha nosso país,
um péssimo Natal e que se realize
em 1980 nosso confronto final".
No terceiro piso, foram agrupadas outras paixões de Chico: o
teatro, a literatura e o futebol. Parceiros musicais e intérpretes inesquecíveis completam o bloco.
A linha de passe imaginada pelo
compositor sai do campo dos sonhos para ganhar "corpo" no
campo da parede: surge estampada uma seqüência de passes entre
Pelé, Garrincha, Didi, Pagão e Canhoteiro. Há a camisa do time de
Chico, o Polytheama, e a versão
comercial de Ludopédio, jogo inventado por ele durante o auto-exílio na Itália (1969-70), cuja versão comercial chama-se Escrete.
Enquanto vê as paixões de Chico, o público pode aplacar a própria, ouvindo o repertório completo e assistindo a três vídeos.
Em fevereiro, uma adaptação da
exposição, com painéis e reproduções, será exibida em Cuba.
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