São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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Após atrair 50 mil pessoas no Rio, chega a São Paulo exposição sobre a trajetória de Chico Buarque

Retratos do artista quando jovem

JANAINA FIDALGO
DA REDAÇÃO

Chico caminha na direção do espectador ao lado de paulistas, pernambucanos, mineiros e baianos. Enquanto ele não chega, o trajeto para alcançá-lo é longo. Afinal, não estamos no calçadão do Leblon, onde se passa a cena descrita. O percurso dessa viagem, iniciada há 60 anos, passa pela infância na casa da rua Buri, a visita de reconhecimento a Ismael Silva e Noel Rosa, as parcerias com Vinicius de Moraes, Tom Jobim e João Gilberto, os dribles de Julinho da Adelaide na censura militar e a paixão pelo futebol.
A visita ao compositor, cantor e escritor é guiada por seu sobrinho Zeca Buarque Ferreira, 30, curador de "Chico Buarque - O Tempo e o Artista". Idealizada pelo presidente da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago, a exposição foi inaugurada no ano passado no Rio, em homenagem aos 60 anos do artista, e é aberta hoje no Sesc Pinheiros, em São Paulo, com acréscimos, como o discurso feito quando Chico obteve o título de cidadão paulistano.
"É um certo salto e me pareceu um certo salto no escuro porque eu nunca tinha feito exposição", diz Zeca, que trabalhou com Nelson Pereira do Santos em "Raízes do Brasil", ajudando o cineasta a reunir material sobre os Buarque de Hollanda. "Fiquei assustado. Ao mesmo tempo era uma grande sedução [fazer a mostra]."
Notória, a aversão de Chico à exposição pública toma proporções maiores quando o personagem em questão é ele. Consultado por Corrêa do Lago, fez piada ("Pô, Pedro, eu não morri ainda não") e, se não havia como recusar a homenagem, tratou de avisar que ficaria longe. "Liguei para o Chico num telefonema em que eu falei pouco e ele falou quase nada. Disse que não ia participar de uma auto-homenagem", conta. "Não é que ele não goste da exposição, ele não gosta de exposição."
O Chico privado aparece em raros e bons momentos. Num deles -um retrato familiar feito no fim dos anos 70 por sua irmã Maria do Carmo, a Piii- está vestido como um juiz de futebol ao lado de Marieta Severo e das três filhas do casal -Silvia, Luisa e Helena- vestidas com trajes antigos.
"É claro que revela um momento de intimidade, mas acho que está no limite do aceitável", diz. "Eu não quis expor o que ele não queria expor. E eu não tenho essa intimidade, não sei segredos. Que ninguém venha à exposição esperando ver um Chico privado que ninguém viu e agora será revelado. Não sou essa pessoa que foi lá e vasculhou papéis."
Para não tropeçar na tênue linha divisória entre o público e o privado, Zeca usou o particular quando ele teve algo a contar sobre a formação do Chico artista.
Da infância, presente em "Retrato em Branco e Preto", há fotos da família, bilhetes e uma história em quadrinhos feita por ele. "É o Chico criando. Quis mostrar a construção do que ele é hoje."
Embora não seja um registro infantil, mas que remonta à riqueza criativa dos tempos passados, quando Chico inventava mapas de países, há nesta parte da mostra um original de Torgona, cidade imaginária criada nos anos 70 e desenhada no verso de um cartaz da peça "Calabar". Em São Paulo, o mapa ganhou uma plotagem.
Sonorizada de acordo com a época em questão, o bloco da infância tem como trilha sonora canções do belga Jacques Brel, frevos e marchinhas. "É uma trilha sonora maluca. É aquela casa com sete crianças, um radinho de pilha e um pai historiador", resume Zeca, que teve a ajuda da tia Miúcha para criar o set.
Em "Construção", o curador agrupa compositores fundamentais na formação musical de Chico, com fotos e músicas de Ismael Silva, Ataulfo Alves, Noel Rosa e Dorival Caymmi, além de imagens dos inventores da bossa nova João Gilberto, Vinicius e Tom.
Aqui, vale se ater a uma foto em preto-e-branco, onde se vê a escalação quase completa dos músicos brasileiros: de Braguinha a Paulinho da Viola, passando por Francis Hime e Zé Ketti e, é claro, Chico. Há também um manuscrito de "A Banda" (1966) e a correspondência trocada por Chico e Vinicius, na qual discutem a letra de "Valsinha" (1970).
A pérola do bloco sobre sua participação na história política brasileira é um dos dois cartões enviados a Chico em 1979 e 1980, no qual se lê um "aviso": "O Comando de Caça aos Comunistas deseja a você, ativista da canalha comunista que enxovalha nosso país, um péssimo Natal e que se realize em 1980 nosso confronto final".
No terceiro piso, foram agrupadas outras paixões de Chico: o teatro, a literatura e o futebol. Parceiros musicais e intérpretes inesquecíveis completam o bloco.
A linha de passe imaginada pelo compositor sai do campo dos sonhos para ganhar "corpo" no campo da parede: surge estampada uma seqüência de passes entre Pelé, Garrincha, Didi, Pagão e Canhoteiro. Há a camisa do time de Chico, o Polytheama, e a versão comercial de Ludopédio, jogo inventado por ele durante o auto-exílio na Itália (1969-70), cuja versão comercial chama-se Escrete.
Enquanto vê as paixões de Chico, o público pode aplacar a própria, ouvindo o repertório completo e assistindo a três vídeos.
Em fevereiro, uma adaptação da exposição, com painéis e reproduções, será exibida em Cuba.


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