São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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TEATRO

Espetáculo chega a SP abordando o uso do conceito de antropofagia; Paris e NY também receberão a obra de Michel Melamed

"Regurgitofagia" expele crítica a excesso de informações

Luciana Whitaker/Folha Imagem
O ator Michel Melamed ligado à máquina usada em "Regurgitofagia"; aparelho libera choques cada vez que a platéia se manifesta


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Michel Melamed, 28, foi a sensação do teatro carioca em 2004 com um espetáculo solo em que recebe descargas elétricas e engole pedaços de vômito. Mas "Regurgitofagia", que chega sábado ao Sesc Belenzinho, não é uma peça trash, das que buscam o grotesco como valor em si.
O que chamou a atenção da crítica do Rio e de artistas como Gerald Thomas -que exaltou Melamed em artigo na Folha-, e levou o espetáculo a ficar nove meses em cartaz, sendo os três primeiros com sessões à meia-noite, foi a consistência da crítica que o ator e poeta faz à aplicação do conceito de antropofagia, de Oswald de Andrade, e ao excesso de informações dos dias de hoje.
"Há uma falência da antropofagia vulgarizada. A toda hora há artistas falando em entrevistas que devemos absorver as informações e transformar a realidade. Mas esse sistema não dá mais conta. Não temos ferramentas para deglutir tantas coisas. É preciso vomitar o que é horrível e da náusea colher a flor", diz Melamed, citando Carlos Drummond de Andrade.
Para ele, o tropicalismo "é a obra mais bem acabada da antropofagia" de Oswald, mas não pode ser adotado como uma bíblia.
"O tropicalismo é o nosso projeto mais bem acabado de cultura brasileira. Mas não dá para operar a realidade atual só com seus instrumentos. É preciso buscar outros expedientes, que eu não sei quais são. Estou fazendo uma crítica ao que vem acontecendo ainda com um resultado tropicalista, feito de colagens", avalia ele.
"Regurgitofagia" é uma palavra criada por Melamed. Mistura regurgitar (vomitar, expelir os excessos) com fagia (sufixo que indica o ato de comer). Significa, como ele escreve no texto da peça, "vomitar os excessos a fim de avaliarmos o que de fato queremos redeglutir".
"Não temos por que engolir [o apresentador da Rede TV!] João Kléber. Temos que construir uma consciência crítica e buscar formas de negociar com a realidade, já que transformá-la integralmente é uma idéia revolucionária que não faz mais sentido", afirma ele.
Em uma cena inspirada em João Kléber, Melamed representa uma disputa, num programa de auditório, entre dois homens para ver quem tem mais males, de verruga a câncer. Mas também há momentos delicados, como os poemas sobre relações amorosas.
"O que está sendo dito pode se aplicar a qualquer nível: amor, política, economia, teatro. Tudo se une pelo sentido de urgência, de falarmos essas coisas para sairmos da perplexidade e renovarmos nosso olhar", diz Melamed.
"Regurgitofagia" nasceu de uma bolsa conquistada por Melamed para pesquisar o casamento entre arte e tecnologia. Depois de seis meses de pesquisa e de passar por um orçamento inviável de R$ 300 mil, ele e o engenheiro Alexandre Boratto chegaram ao "pau-de-arara", como o ator chama a máquina a que fica ligado em cena. Quando a platéia aplaude, ri, tosse ou faz qualquer outro som, a máquina emite no corpo de Melamed descargas de até 90 volts. A situação cria momentos de tensão no público, que precisa decidir se "castiga" o ator ou fica em silêncio. "A platéia se obriga a tomar atitudes", explica ele.
Melamed apresentará o espetáculo em Paris, no Ano do Brasil na França, e em Nova York. No sábado, a nova edição em livro de "Regurgitofagia" será lançada. O ator ainda apresenta os programas "Comentário Geral", "Recorte Cultural" (ambos da TVE) e "Lembranças do Brasil" (GNT).

REGURGITOFAGIA. De e com: Michel Melamed. Direção: Alessandra Colasanti, Marco Abujamra e Michel Melamed. Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915, SP, tel. 0/xx/11/6602-3700). Quando: de 15/1 a 6/3 (sáb. e dom., às 21h). Quanto: entre R$ 5 e R$ 10.

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