São Paulo, Quarta-feira, 13 de Janeiro de 1999
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Internet é a arma de ator negro contra preconceito

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Da esq. para a dir., Zezé Motta, Januário Garcia, Jacques D'Adesky e Marcelo Albano, que participam do projeto do site com currículos de atores negros



Artistas se unem em iniciativa inédita para enfrentar competição no mercado, criando um banco de currículos eletrônico com 380 nomes


RONI LIMA
da Sucursal do Rio

Para enfrentar um mercado competitivo, no qual geralmente só conseguem papéis de personagens subalternos, atores e atrizes negros estão se organizando e vão lançar um site na Internet com fotos e currículos de 380 artistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
Com apoio de R$ 118 mil do Ministério do Trabalho e da Fundação Ford, o site do projeto "A Arte de Representar Dignidade" é uma iniciativa do Cidan (Centro de Informação e Documentação do Artista Negro Brasileiro).
O site foi montado a partir de um antigo banco de dados de slides e fotos organizado pela atriz Zezé Motta, e o lançamento está previsto para março.
Um subproduto do projeto será uma versão em CD-ROM com tiragem inicial de mil exemplares, que serão distribuídos gratuitamente por núcleos de produção de TV, cinema, teatro e publicidade.
Festejado por artistas consagrados e novatos, o site vai ser ampliado ainda este ano. O Ministério do Trabalho acaba de aprovar verba, de R$ 150 mil, para que sejam incorporados ao site currículos de Brasília, Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão e Rio Grande do Sul.
A participação no site é vista pelos organizadores como um avanço na tomada de consciência dos artistas negros, que estariam assumindo suas origens.
Entre os artistas já selecionados, há também cerca de 30 com a pele branca, que querem ser reconhecidos como descendentes de africanos. Alguns desses chegam a apresentar traços que indicariam a presença de ancestrais negros, como lábios e narizes mais grossos. Outros nem isso.
"Eles nos procuraram dizendo que se consideravam negros. O cara estava consciente mesmo", diz Januário Garcia, 52, responsável, no site, pelas fotos dos atores e atrizes do Rio e da Bahia.
Zezé Motta, que despontou para o estrelato, em 76, como protagonista do filme "Xica da Silva", de Cacá Diegues, lembra que, depois do sucesso inicial de sua carreira, passou a se questionar sobre a quase ausência do negro na mídia.
""O ator negro era invisível. Agora, é quase invisível", avalia, não vendo mudanças significativas nos últimos anos. No início dos anos 80, num momento de grande mobilização da comunidade negra para se fazer presente nos meios de comunicação, Zezé Motta passou a cobrar de diretores e produtores uma maior participação de atores e atrizes.
Como resposta, ouvia que havia poucos artistas conhecidos e até que os atores negros, em geral, eram tensos e ruins. Ela então decidiu ir à luta. Com o apoio de pessoas como o economista Jacques D'Adesky, fundou o Cidan.
"A Zezé é uma guerreira. Ela tem uma constante luta, colocando o seu talento e contatos a serviço dos irmãos negros. Glória a ela", diz o ator Milton Gonçalves, 65.
Com fotos, slides e fichas manuais, o primeiro banco de dados do Cidan reuniu o currículo de 150 artistas de São Paulo, Rio e Bahia. Apesar de funcionar de forma artesanal, na casa da atriz, serviu para ajudar inúmeras produções de cinema, teatro, televisão e publicidade, como a minissérie da Rede Globo "Tenda dos Milagres" e o filme "Xangô de Baker Street".
Para os organizadores, o site não é uma forma racista de combater o racismo de uma sociedade dominada por brancos. É um meio de tentar colocar o negro em pé de igualdade no mercado de trabalho.


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