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CONTARDO CALLIGARIS
Casamentos sem sexo
Observei o encontro entre
quatro homens de meia-idade que tinham cursado a mesma universidade e não se viam desde então. Eles lembravam nostalgicamente as bebedeiras, as
conversas jogadas fora, a vida de
estudante.
Alguém evocou os pôsteres que
decoravam as paredes dos quartos: as páginas centrais da "Playboy" e uma gigantesca imagem
pornográfica que ainda estava na
memória de todos. De repente,
um dos quatro perguntou para os
outros: "E daí, há quanto tempo
vocês não se masturbam?". Desencadeou-se uma crise de riso
que quase jogou os quatro no
chão.
Quis entender a hilaridade e fui
colocando perguntas. Aprendi
que eles eram todos casados, pais
orgulhosos, maridos amorosos e
quase CASTOS. Foi uma surpresa
para todos eles, pois cada um
achava que, nesse departamento,
seu caso fosse único: de fato, a vida sexual do mais ativo consistia
numa transa mensal, os outros
não tocavam nos corpos de suas
companheiras havia meses e,
num dos casos, havia anos.
Gostavam de suas parceiras,
não sonhavam com aventuras ou
amantes, mas o desejo sexual se
fora. Quando? Depois do nascimento dos filhos? Numa crise do
escritório que multiplicou a carga
de trabalho? Durante uma longa
permanência dos sogros no quarto de hóspedes? Sei lá. Aos próprios ouvidos deles, as explicações
indicavam apenas ocasiões, valiam como desculpas.
A descoberta os deixou envergonhados. Nossa cultura aceita com
facilidade que as mulheres não
estejam a fim. Uma dor de cabeça, uma indisposição (quem sabe,
anunciando a menstruação) ou
mesmo uma recrudescência de
pudor condizem com a feminilidade.
Para os homens, é o contrário:
não estar a fim é uma falha da virilidade. Eles preferem, eventualmente, camuflar sua pouca disposição com esporros e exasperação.
Se a companheira estiver indisposta, em vez de insistir amorosamente, é a ocasião de indignar-se
e afastar-se, evitando assim encarar sua própria ausência de desejo.
Já foi uma figura clássica de casal: a mulher procura ostensivamente duas aspirinas na hora de
ir para a cama, enquanto o marido se irrita e encontra, em sua irritação, uma desculpa para virar
as costas e apagar a luz.
Hoje, aparece uma figura um
pouco diferente. Cada vez mais,
escuto mulheres que se queixam
abertamente do pouco interesse
de seus parceiros pelas "brincadeiras". Parece que elas se cansaram de inventar mal-estares para
fornecer álibis a seus companheiros. A famosa dor de cabeça estaria se tornando masculina?
Certo, muitos homens continuam contando vantagens para
os amigos da esquina, deixam
pairar subentendidos nas conversas sociais, compartilham comentários salazes quando cruzam
com um decote generoso ou com
uma saia curta e lançam olhares
oblíquos e marotos ao passar por
uma sex shop. Mas esses sinais
aparentes de virilidade servem
para levantar poeira e esconder
pudicamente o desinteresse que
os aflige.
Não sou o único a verificar essa
recente "preguiça" dos homens.
Por exemplo, num livro recente
("The Sex-Starved Marriage", o
casamento faminto de sexo), Michele Weiner Davis, terapeuta de
casais americana, faz constatações parecidas, embora administre conselhos um pouco primários, desde o Viagra até passar
mais tempo juntos, fazer o parceiro sentir-se importante etc. Se
quisesse procurar na vida dos casais os fatores que abalam o desejo masculino, eu começaria pela
infantilização: as férias em Orlando, os domingos no parque
aquático e as graças de nenê em
lugar de conversa (o pichuchu
ainda gosta da pichachá?).
Mas a novidade é um desinteresse sexual que se situa aquém
dos percalços da vida de casal.
Voltemos à conversa de bar dos
quatro ex-colegas de faculdade.
Eles riam, perturbados, porque a
pergunta sobre a masturbação juvenil lhes revelava o fato seguinte:
havia tempos, eles não pensavam
mais em sexo.
Ora, únicos entre os mamíferos,
nós não transamos graças a estímulos simples do tipo: a fêmea está no cio e fecunda, portanto chegou a hora do desejo. Nada disso:
nossa excitação depende de representações, idéias, fantasias. E as
fantasias não surgem naturalmente; elas pedem um trabalho
psíquico, uma dedicação, um esforço.
Talvez falte lazer para isso, mas
é também possível que os homens
se sintam dispensados dessa antiga tarefa por viverem, hoje, num
bazar de fantasias sexuais prêt-à-porter. A cultura de massa já é
nossa enciclopédia das condutas
desejáveis: nela encontramos os
modelos para amar, odiar, ter sucesso ou fracassar, ser heróico ou
modesto. Por que não recorrer a
ela para nossas necessidades sexuais?
Caricaturando apenas, a vida
sexual consistiria, nesse caso, em
ir para um motel cada sábado às
17h e lá, antes do "quid", procurar
inspiração no vídeo pornô do dia.
Certamente economizaríamos assim o tempo (exorbitante) exigido
pela elaboração e manutenção de
fantasias sexuais próprias. Por
que não?
Há apenas um problema: liberados do dever de fantasiar durante a semana, começaríamos a
achar estranho e pesado o dever
do sábado. Ir para o motel por
quê? Só de pensar, já dá uma dor
de cabeça...
ccalligari@uol.com.br
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