São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Um jeito que Deus deu

Marlene Bergamo/ Folha Imagem
Filhos, netos e nora do casal Gil na casa deles, em Salvador, que hospedava 26 pessoas


A porção mulher do ministro Gilberto Gil (para emprestar dele uma expressão usada na letra "Super-Homem- A Canção") não é nada resguardada. "Qualquer uma perde dele", diz Flora Gil, sua mulher, ao exibir, no banheiro da suíte do casal, em Salvador, os apetrechos que fazem parte da rotina de cuidados do marido.
 
"Ele viaja com cinco nécessaires. Não é, Gil?". O ministro corrige. "Cinco não, mãe. Três." Flora se confundiu porque uma das bolsas tem dois andares.
 
Só protetores labiais são três: um de camomila feito para usar na neve, e que Gil leva no estojo para o caso de pousar em lugares frios como São Paulo; outro para climas quentes e um terceiro, Spa In The Sky, para aviões.
 
Em outra bolsa ele leva escova para pentear sobrancelhas, rímel para tingí-las, pasta de erva-doce (comprada em Nova York) para escovar os dentes, óleo de coco para os cabelos, polvilho anti-séptico Granado para as mãos, cristais de gengibre e cravos para a garganta, lixas de unhas, cremes La Prairie, perfumes -e até um bálsamo Kenzo que passa no nariz apenas para sentir o cheirinho bom.
 
Flora sempre cuidou de cada detalhe da vida do marido. Mas nos últimos tempos, com a agenda abarrotada pelos compromissos que acumula como artista e ministro da Cultura, Gil tem viajado um pouco sozinho. Na madrugada de segunda-feira, por exemplo, ele cumpriu agenda de artista: dormiu ao amanhecer, depois de cantar no trio elétrico em Salvador.
 
Acordou pouco depois do meio-dia e começou a se preparar para a agenda de ministro: dar uma entrevista à jornalista americana Vicky Shorr, do "Los Angeles Times", e viajar para o Rio para ver o desfile da Portela. Com ele iria Safiatou Ndiaye Diop, ministra da Cultura do Senegal.
 
O primeiro compromisso de Gil, depois de um café da manhã em que comeu mingau de arroz integral com Nescau, foi pintar os cabelos e voltar à mesa para conversar com a família. Na casa de Gil a mesa está sempre posta. Ele tem sete filhos, um punhado de netos. No Carnaval, acolhe ainda amigos, amigos dos filhos e amigos dos netos. Naquela segunda eram 32 pessoas em sua casa -26 hóspedes e oito empregados.
 
O ministro Luiz Furlan, do Desenvolvimento, tinha ido embora no dia anterior. A passagem dele pela casa foi histórica. Flora fez reunião de família para avisar que esse era um hóspede diferente, mais formal. "Crianças, nada de palavrões, gritos. Não vão jogar papel no homem. Ele é muito educado, gente, pelo amor de Deus." José, filho caçula, perguntou: "Mãe, e quando esse chato vai embora?"
 
Gil lava os cabelos, apara axilas e peito e se troca para a entrevista com Vicky Shorr. Aflita, ela pergunta: "Toda aquela energia dos anos 60, onde é que foi parar? Nos EUA nós estamos meio desesperados."
 
Gil fala da posição do governo brasileiro de flexibilizar a propriedade intelectual e adotar os softwares livres. "E os americanos?", pergunta ela. "O governo eu não sei. A Microsoft é contra, a IBM é a favor. Tudo é um choque de interesses obrigados a se deslocar juntos para um horizonte onde terão que ser confundidos", diz Gil.
 
De conflitos o ministro entende. Em 2004, propôs a criação da Ancinav, para regular o setor do audiovisual, e entrou em conflito com a TV Globo.
 
Às 19h30, Gil parte rumo ao aeroporto e decola num avião da FAB (Força Aérea Brasileira) que o levará ao Rio.
 
No avião, o assunto "Ancinav" volta à baila. "Coitada da TV Globo", diz o ministro. "Eu já disse isso uma vez e houve espanto. Mas é isso mesmo. Coitada da TV Globo." Para Gil, a emissora está forçando uma paralisação da discussão. Pode ter uma vitória hoje e perder amanhã, com a chegada de estrangeiros num mercado pouco regulado e sem uma forte produção de conteúdo nacional.
 
Gil mastiga cravos, "para o hálito", e conversa em francês com a ministra do Senegal sobre a regulação das comunicações naquele país. "Me perguntam se o MinC foi derrotado. Na verdade, tiramos um peso do ombro para dividi-lo com o restante do governo e com a sociedade. Que outro governo discutiu esse tema? Nós pelo menos tiramos o assunto da gaveta."
 
Gil está adorando ser ministro. "Sou outra pessoa. Encontrei espaços dentro de mim para deixar lá todos os venenos."
 
Gil está adorando Lula. "Ele não é maniqueísta. Ele não vê o bem e o mal. Ele dá cada esculhambada nesses petistas [radicais]...Lula fundou o PT, mas não é petista. Ele é maior, ele foi adiante."
 
O avião pousa no Rio. O ministro desembarca. Toma um carro até a sede do governo do Estado. Salta para uma van que o leva até o Sambódromo. Desembarca. Tira fotos. Entra no camarote de Anthony Garotinho. Fotos. "Coloca o Virgílio [candidato rebelde do PT à presidência da Câmara] do lado dele", grita Garotinho. Tumulto. "Gil, quero te apresentar a Naomi Campbell", diz um deputado. Chega Naomi: "Estou nervosa!". O ministro vai até o camarote da prefeitura. Depois até o camarote da Portela. Chega Preta Gil e o arrasta para o camarote da TIM. Ele vai e volta. Tira fotos com Marisa Monte, com Paulinho da Viola.
 
Às 3h30, Gil sai do Sambódromo rumo ao aeroporto, e daí de volta a Salvador. No avião, coloca óculos escuros para tentar cochilar. E tempo para compor? "Quando entrei no governo, decidi que não ia compor nada." Ele diz não temer que a inspiração desapareça.
 
"No passado, eu tinha crises horríveis de criatividade. "Meu Deus, será que fiquei burro?" Mas é como a crise de apetite que o Caetano [Veloso] teve certa vez. Ele foi ao médico, que disse: "Está com inapetência? Pois coma. Abra a boca e coma. Coma! A crise passou." O jeito, para quem admira suas canções, é esperar. Na terça, Gil chegou em casa às 7h da manhã.


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