São Paulo, sexta, 13 de fevereiro de 1998

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TEATRO CRÍTICAS
Cássio Scapin faz rir de "nossa miséria"

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

No início de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", a "nossa miséria" não está ainda entranhada em Cássio Scapin.
A imagem do personagem de TV, "três séculos em forma de menino", como diz a canção, está impregnada no ator, no seu sorriso, seu humor.
Mas aos poucos ele vai ganhando a forma de Brás Cubas, o "defunto-autor", enquanto deixa para trás as memórias de infância, os sonhos, os amores sonhados (mais do que reais, pois é impiedoso o olhar do defunto) que duram pouco e que submergem na realidade fria, mas também serena.
Como que sem emoção, sem drama, Brás Cubas, a sua pele em decomposição, recorda, até com certo alívio, a medíocre existência. É cruel, joga na cara do espectador (em lugar do leitor do romance) que a fantasia não sobrevive.
Não escapa o próprio teatro, e logo de um autor, Machado de Assis, "apaixonado pelo teatro", como escreveu Décio de Almeida Prado.
"O espectador vem ao teatro para escapar da vida", diz Scapin/Brás Cubas, a certa altura.
Ele não dá chance, não dá esperança. É capaz de rir com a vida, é sempre irônico, sarcástico com ela, mas não lhe dá crédito. Quando chega à famosa declaração final, mais parece um Hamlet decidindo-se, depois de muito exemplificar, por não ser.
"Ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo... Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria", na boca de Scapin, é um juízo tão definitivo, inquestionável, que se deixa o teatro tristemente cínico.
Mas não se entenda errado: "Memórias Póstumas de Brás Cubas" é um belo de um espetáculo, que adapta como ainda não se tinha visto no palco um romance do grande escritor nacional.
Além da atuação, é precisamente a adaptação que impressiona. É de uma naturalidade, a sequência não se perde, pequenas mudanças de expressões trazem o enredo imediatamente para o palco.
Dá pleno sentido ao que Ruggero Jacobbi, o artista e crítico veneziano que tanto fez pelos mais esquecidos dramaturgos nacionais (a começar de Oswald de Andrade), disse sobre Machado de Assis: que "toda a sua obra de ficção" traz sinais da "vocação teatral".
E o espetáculo, com toda a sua impiedade realista, quer mais é entreter o espectador. É um musical, bem como uma comédia.
Apesar de um monólogo ou espetáculo solo (Scapin ensaia diálogos hilariantes em outros personagens), está ali um pianista, o diretor musical Pedro Paulo Bogossian, para contracenar, com canções que chegam à marchinha.
E tome diálogos diretos com o público, improvisações. Não se equivoca a produção ao tratar "Memórias" como, em parte, teatro de revista.
Mas sempre dosado, com rigor inesperado da jovem diretora Regina Galdino, pelo enquadramento realista.


Peça: Memórias Póstumas de Brás Cubas Quando: de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h Onde: Instituto Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 011/238-1700)
Quanto: grátis



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