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TEATRO CRÍTICAS
Cássio Scapin faz rir de "nossa miséria"
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
No início de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", a "nossa miséria" não está ainda entranhada
em Cássio Scapin.
A imagem do personagem de
TV, "três séculos em forma de
menino", como diz a canção, está
impregnada no ator, no seu sorriso, seu humor.
Mas aos poucos ele vai ganhando a forma de Brás Cubas, o "defunto-autor", enquanto deixa para trás as memórias de infância, os
sonhos, os amores sonhados
(mais do que reais, pois é impiedoso o olhar do defunto) que duram pouco e que submergem na
realidade fria, mas também serena.
Como que sem emoção, sem
drama, Brás Cubas, a sua pele em
decomposição, recorda, até com
certo alívio, a medíocre existência.
É cruel, joga na cara do espectador
(em lugar do leitor do romance)
que a fantasia não sobrevive.
Não escapa o próprio teatro, e
logo de um autor, Machado de Assis, "apaixonado pelo teatro", como escreveu Décio de Almeida
Prado.
"O espectador vem ao teatro para escapar da vida", diz Scapin/Brás Cubas, a certa altura.
Ele não dá chance, não dá esperança. É capaz de rir com a vida, é
sempre irônico, sarcástico com
ela, mas não lhe dá crédito. Quando chega à famosa declaração final, mais parece um Hamlet decidindo-se, depois de muito exemplificar, por não ser.
"Ao chegar a este outro lado do
mistério, achei-me com um pequeno saldo... Não tive filhos, não
transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria", na boca
de Scapin, é um juízo tão definitivo, inquestionável, que se deixa o
teatro tristemente cínico.
Mas não se entenda errado:
"Memórias Póstumas de Brás Cubas" é um belo de um espetáculo,
que adapta como ainda não se tinha visto no palco um romance do
grande escritor nacional.
Além da atuação, é precisamente
a adaptação que impressiona. É de
uma naturalidade, a sequência
não se perde, pequenas mudanças
de expressões trazem o enredo
imediatamente para o palco.
Dá pleno sentido ao que Ruggero Jacobbi, o artista e crítico veneziano que tanto fez pelos mais esquecidos dramaturgos nacionais
(a começar de Oswald de Andrade), disse sobre Machado de Assis:
que "toda a sua obra de ficção"
traz sinais da "vocação teatral".
E o espetáculo, com toda a sua
impiedade realista, quer mais é
entreter o espectador. É um musical, bem como uma comédia.
Apesar de um monólogo ou espetáculo solo (Scapin ensaia diálogos hilariantes em outros personagens), está ali um pianista, o diretor musical Pedro Paulo Bogossian, para contracenar, com canções que chegam à marchinha.
E tome diálogos diretos com o
público, improvisações. Não se
equivoca a produção ao tratar
"Memórias" como, em parte, teatro de revista.
Mas sempre dosado, com rigor
inesperado da jovem diretora Regina Galdino, pelo enquadramento realista.
Peça: Memórias Póstumas de Brás Cubas
Quando: de quinta a sábado, às 21h;
domingo, às 19h
Onde: Instituto Itaú Cultural (av. Paulista,
149, tel. 011/238-1700)
Quanto: grátis
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