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Manoel de Oliveira filma seu adeus a Portugal
CÁSSIO STARLING CARLOS
Editor-adjunto de Especiais
A cada último filme de Manoel
de Oliveira, o espectador reverente vai assisti-lo como se estivesse
indo para uma cerimônia de
adeus. Afinal, trata-se do único cineasta em atividade quase ao completar 90 anos de idade.
De fato, "Viagem ao Princípio
do Mundo" reúne várias cerimônias de adeus. E não só para Marcello Mastroianni, em seu último
papel, ironicamente interpretando o próprio Manoel de Oliveira.
O filme divide-se em duas partes, aparentemente distintas. Na
primeira, o cineasta Manoel percorre antigos caminhos, sondando lugares marcantes de sua vida
-o colégio onde estudou quando
criança, um velho hotel abandonado, palco dos primeiros amores.
Trata-se de um movimento, digamos, proustiano, tentativa de
compreender a vida com a ajuda
da memória. Nesse caminho, o espectador tropeça na beleza, intensificada pela melancolia da saudade. Afinal, tudo ainda está lá, mas
em estado de ruína. À memória,
resta o trabalho de preencher os
vazios impostos pelo tempo. Até
esse ponto, a "Viagem ao Princípio do Mundo" realiza-se em sentido literal.
O cineasta Manoel, contudo, insiste que falta algo a encontrar.
Uma imagem perdida. A estátua
de Pedro Macau, que funciona como símbolo da condição humana,
em geral, e portuguesa, em particular, com um eterno fardo a carregar e sem poder se livrar dele,
sob o risco de se aniquilar. Esse
ponto alto do filme serve também
de passagem para o segundo ato.
A partir daí, o "princípio do
mundo" amplia seu significado.
Na companhia de Manoel, e até
então quase em silêncio, viaja
Afonso, um ator francês que também busca suas origens portuguesas. Filho de um imigrante, Afonso participa da viagem para reencontrar a família de seu pai.
Num "fim do mundo", em
meio a cabras, onde sobrevive
uma aldeia, habitada só por velhos, é a vez de Afonso reencontrar sua origem. Uma força cômica
nasce da incapacidade de a velha
tia de Afonso compreender "por
que ele não fala a nossa língua".
Por trás dela, Oliveira constrói
com ironia sua visão da União Européia e do lugar subordinado que
Portugal ocupa nela. Ela é, sobretudo, um desdobramento político
da outra viagem, a existencial, ambas em luta contra o esquecimento, um último adeus à identidade
condenada, a Portugal, em suma.
Nesse momento de síntese entre
o passado e o presente, Oliveira
reitera, para os ainda reticentes,
porque ele é o maior cineasta vivo.
Filme: Viagem ao Princípio do Mundo
Produção: Portugal, 1997
Direção: Manoel de Oliveira
Com: Marcello Mastroianni, Jean-Yves
Gautier, Leonor Silveira
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc
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