|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pupilo diz que decidiu sair da defensiva
Miguel Sanches Neto comenta hábitos de Trevisan por meio de personagem
Escritor inventado usa "calça jeans, camisa xadrez de mangas compridas, boné marrom com a aba cobrindo os olhos e tênis cinzentos"
DA REPORTAGEM LOCAL
Fala serena e tímida, o escritor paranaense Miguel Sanches
Neto, 45, tem, como Trevisan, o
"vampiro de Curitiba", um quê
de esquivo. Deseja dar entrevista sobre "Chá das Cinco com
o Vampiro", mas, ao mesmo
tempo, mede com cautela cada
uma das palavras. As primeiras
perguntas são respondidas por
e-mail. E é apenas ao telefone
que admite: "O livro não tinha
sido sequer publicado e, mesmo assim, eu já tinha sido
agressivamente atingido. Passei todo esse tempo na defensiva. Mas acho que cansei de ser
atacado".
Sanches, autor de livros como "Chove sobre Minha Infância" e "Um Amor Anarquista",
refere-se às alfinetadas literárias que, entre 2004 e 2005,
movimentaram o meio cultural
paranaense e, pela ferocidade
das palavras, acabaram por divertir também o ambiente literário nacional - mais afeito aos
tapinhas nas costas.
Tudo começou quando, numa atitude que hoje vê como
ingênua, o autor entregou o
texto a um suposto amigo. Foi
um pulo para que o livro chegasse às mãos de Dalton Trevisan e outro pulo para que os comentários ferozes surgissem.
"Escrevi então uma carta dizendo que era um romance,
uma narrativa ficcional na sua
intenção e que não ia publicar o
livro, numa tentativa de encerrar o assunto", conta Sanches.
De nada adiantou. Foi chamado por Trevisan de "hiena papuda" para baixo.
Sanches insiste que todos os
personagens têm algo de ficcional. Mas, além de ter a mesma
origem e idade de Dalton Trevisan, o escritor Geraldo Trentini
chegou a cuidar da fábrica de
vidros da família, formou-se
em direito, na Federal do Paraná, na década de 1940, e caminha, com os olhos no chão, trajando "calça jeans, camisa xadrez de mangas compridas, boné marrom com a aba cobrindo
os olhos e tênis cinzentos".
A narrativa divide-se entre a
formação literária e afetiva de
Beto Nunes e seus encontros
com um grupo de escritores (ou
quase) de Curitiba. E, nesse segundo caso, pouco importa
quem são de fato Valério Chaves, o amigo com "pretensões
vanguardistas" que faz uma "literatura trash" ou o jornalista
político Orlando Capote -que,
ao que tudo indica, é o jornalista Fábio Campana. Seus tiques
pertencem a toda uma "casta"
de intelectuais.
"Depois de conviver com escritores por algum tempo, você
acaba sentindo necessidade de
fazer parte da espécie humana,
pois os deuses, os deuses cansam", diz Sanches, pela voz de
Nunes. "Os deuses são fanhosos. Falam apenas de suas
obras. E querem plateia."
Cabe também à pena de Nunes uma reflexão curiosa sobre
o mistério que, no fim, só fez
crescer o interesse pela obra de
Dalton Trevisan e alimentou o
mito. "Num período em que as
televisões exploram a vida íntima das pessoas, o mistério sobre Geraldo se tornou um grande tema da literatura nacional
(...) Esconder a intimidade mais
ou menos medíocre fez com
que sua biografia crescesse. E
talvez agora só lhe reste manter
o mistério."
Geraldo Trentini, o personagem, dá empurrões e quebra a
máquina de uma fotógrafa,
acha que todos que andam pela
rua com uma máquina estão
querendo flagrá-lo, só sai de casa disfarçado e, reza a lenda,
não há amigo que não acabe por
transformar em inimigo.
Trentini também escreve
contos cada vez menores e Nunes desconfia, não sem uma
ponta de ironia, que isso talvez
se deva à artrite. O ex-confrade
também afia a lâmina literária
ao citar frases que o contista,
sem a caneta, profere: "O meu
buquê de flores, minha caixa de
bombom é o meu folhetinho de
contos." Ele admite, porém,
que sua própria "caça ao vampiro" se deve ao fato de Geraldo
ser "tão grande para os paranaenses" que eles só admitem a
existência de outros Geraldos".
E Daltons. E Trevisans.
(ANA PAULA SOUSA)
CHÁ DAS CINCO COM
O VAMPIRO
Autor: Miguel Sanches Neto
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (236 págs.)
Texto Anterior: Fogueira das vaidades Próximo Texto: Análise: Polêmica literária sobrevive anêmica Índice
|