São Paulo, terça-feira, 13 de abril de 2004

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EXPOSIÇÃO/CRÍTICA

Rachel Whiteread se move entre rigor e metalinguagem

TIAGO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA

As esculturas que Rachel Whiteread mostra no MAM de São Paulo reconstituem objetos do dia-a-dia inglês. Com volumes sólidos, firmes e unos feitos de material moldável, ela refaz a mobiliária, os instrumentos e até os espaços arquitetônicos de um universo típico e reconhecível. Artefatos comuns na vida doméstica mais ordinária das grandes cidades, infladas por um já longínquo processo de industrialização.
As peças têm tamanho natural, são moldadas em gesso, materiais emborrachados ou cimento. Quando se tornam esculturas, transformam-se em sólidos inteiriços, não muito diferentes da estatuária tradicional. No entanto, têm pouco da atividade e polimento das esculturas de artistas como Michelangelo ou Rodin.
São volumes eretos, inteiriços, que se distinguem com facilidade dos outros objetos que os circundam. Têm isso de tradicionais e ponto. São figuras, mas figuras muito estranhas. Whiteread refaz essas peças, não como se as esculpisse, mas como se despejasse uma epiderme nas coisas que as transformasse em relíquia.
Quando refaz casas ou quartos, temos a impressão de que o lugar foi lacrado. Que uma matéria vedou as fendas e preencheu os espaços vazios. A escultura tem aspecto metafísico, de um lugar esvaziado, que perdeu seu uso e travou todos "os vestígios de interação humana", como descreve Ann Gallagher.
Assim, as esculturas ganham a aparência de fósseis, coisas que perderam sua mobilidade e distinção. Os símiles não são uma imagem exemplar do tema que refazem. Procuram uma intervenção que nos faça estranhar a sua presença. Não se trata da interpretação que existe no desenho de uma porta, interruptor ou banheira. Aqui esses objetos aparecem frios e superficiais.
O tratamento da artista tenta tornar esses objetos ao mesmo tempo curiosos e familiares. Eles são quase idênticos, no aspecto superficial, aos objetos reconstituídos. Do ponto de vista formal, há pouca diferença entre uma bolsa d'água verdadeira e as esculturas. Mas elas aparecem endurecidas, opacas, fossilizadas. Portanto, revelam-se estranhas.
Embora preservem uma série de características descritivas dos objetos reconstituídos, sua cor homogênea e o preenchimento dos espaços vazios entre objetos nos dá a impressão de um lugar fossilizado. A artista se vale desse artifício das mais variadas maneiras. Assim, se o espaço negativo das estantes cria bela pintura, a banheira seca nos dá a impressão de abandono. Como se ela se interessasse pelas possibilidades dos objetos deixados a esmo.
A possibilidade de variar dentro de um procedimento rígido é uma das qualidades do trabalho. Mas tal rigidez também acaba revelando um excesso de zelo técnico. Assim, uma sensibilidade tão grande pelas coisas do mundo acaba se voltando como um interesse agigantado por um modo de trabalho que corre o risco de se tornar metalinguagem.


Tiago Mesquita é crítico de arte

Rachel Whiteread
   
Onde: MAM (av. Pedro Álvares Cabral, s/nš, portão 3, parque Ibirapuera, tel. 0/ xx/11/5549-9688)
Quando: ter., qua. e sex., das 12h às 18h; qui., das 12h às 22h; sáb. e dom., das 10h às 18h; até o dia 25
Quanto: R$ 5; grátis: qui., após 17h.; ter.



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