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CARLOS HEITOR CONY
Em busca do tempo futuro
A moda é a preocupação com o aquecimento global; parece que a tragédia é inevitável
HÁ TEMPOS, em Milão, vi uma
exposição sobre Leonardo
Da Vinci que incluía grande
parte de seus projetos mecânicos e
científicos.
Acredito que quase todo mundo
conhece esses desenhos ou deles já
tomou conhecimento. Ele previu,
com séculos de antecedência, algumas das conquistas da técnica e da
indústria, como o avião, o helicóptero, o submarino, o automóvel e, até
mesmo, a metralhadora e o carro de
combate.
Verdade seja dita: o princípio dessas máquinas fabulosas criadas por
Da Vinci é o mesmo das que atualmente dispomos. O que lhes falta é a
força motora, ou seja, uma fonte de
energia que fizesse suas geringonças
voar, submergir, andar etc.
No tempo dele, a energia conhecida vinha do próprio homem, do cavalo e dos ventos. A própria água,
que estava na cara, era pouco usada.
Os mecanismos de transmissão, por
serem mais complexos, impediam
que a humanidade usasse a poderosa energia da gravidade hidráulica. E
ninguém pensava em aproveitar o
vapor de uma chaleira no fogo.
Mas o princípio científico ou técnico das invenções de Leonardo era,
basicamente, o mesmo que a tecnologia contemporânea emprega para
mover o mundo nem sempre admirável em que vivemos.
O seu helicóptero, por exemplo, tinha o rotor igualzinho ao de hoje. O
problema é que era movido por seis
homens numa plataforma anexa.
Eles tinham de rodar, continuamente, várias manivelas com uma
força espantosa para fazer girar a gigantesca hélice. Evidente: a invenção ficou no papel até que os motores a explosão e, mais tarde, os jatos
resolvessem o problema.
Bem, aonde quero chegar? Para
falar com honestidade, não quero
chegar a lugar algum. Se possível,
quero apenas partir, mesmo sabendo que a chegada não é para os meus
dias.
O princípio socialista que vem lá
de trás, da mais profunda antigüidade, aparentemente foi descartado
do projeto humano por sua inviabilidade. Ou seja, por falta de uma fonte de energia social que até hoje não
foi encontrada.
Dando um exemplo próximo e doméstico: muitos dos princípios contidos na nossa Constituição de 1988,
que é uma obra-prima de utopia, um
sonho impossível como o do homem
de La Mancha, ficarão adormecidos
por muito tempo, talvez alguns séculos. Há que esperar o desenvolvimento de uma fonte de energia que
ainda não conhecemos.
Assim como no tempo de Da Vinci
seria impossível imaginar a força do
vapor ou do motor de explosão, ficamos sem saber qual será a fonte
energética na escala social, econômica e política que fará funcionar as
roldanas da complexa engrenagem
que agora nos parece inviável ou absurda.
Princípios como "todo homem
tem direito à saúde, à educação, e à
cultura" fazem parte de todas as
constituições do mundo -deve haver alguns países que nem possuem
uma constituição formal.
Leonardo foi considerado um
charlatão pelos entendidos de sua
época. Seria mais fácil um burro
voar do que o homem. Quatro séculos depois dele, o homem voou. Os
burros, sim, com a objetividade do
pragmatismo, continuam onde
sempre estiveram.
Algumas fontes de energia já existiam desde que o mundo é mundo: a
água, o vento, o petróleo. A própria
energia nuclear estava latente, à espera de que algum iluminado desintegrasse o átomo.
No plano social, teoricamente, está tudo à disposição das sociedades,
volta e meia aparece um iluminado
que propõe isso ou aquilo, mas faltam elementos práticos e vontade
política para transformar os anseios
da humanidade em realidade.
A moda atual é a preocupação com
o aquecimento global do planeta.
Parece que a tragédia é inevitável, a
menos que um outro iluminado descubra como deter o aumento da
temperatura e a elevação da massa
oceânica.
Trata-se de um problema técnico,
científico, que pode ser resolvido
com uma solução que está à nossa
disposição, como a água, o vento e o
petróleo estavam à disposição do
homem antes mesmo de haver homem na face da Terra.
Relatório patrocinado pelo ONU,
na semana passada, garante que em
menos de 50 anos, de 1 a 3 bilhões de
pessoas ficarão sem água e comida.
Mais fácil fazer o homem voar,
não com os desenhos de Da Vinci,
mas com a descoberta de uma energia social que talvez esteja na nossa
cara.
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