|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O CÃO DE TERRACOTA"
Mergulho no passado encontra Máfia siciliana e crime passional
DA REPORTAGEM LOCAL
R eunir pistas e indícios que
o levem a elucidar tramas
mirabolantes não parece ser para
Salvo Montalbano o objetivo primordial de suas investigações. O
nostálgico comissário criado por
Andrea Camilleri busca antes reconstituir o que há muito se perdeu ou foi desfigurado.
Montalbano não é um tira comum, tem um quê de arqueólogo,
preza valores que outros julgam
ultrapassados e, quando investiga, cai muitas vezes em divagações pueris ou começa a sonhar
acordado.
Em "O Cão de Terracota", o comissário se depara com uma série
de fatos e personagens que, aparentemente, não guardam nenhum vínculo entre si.
Primeiro conhece Tano Grego,
um mafioso que, cansado de seu
"ofício", se entrega espontaneamente à Justiça. Em seguida, toma
ciência de um audacioso assalto a
um supermercado local. Levanta
também a hipótese de que o acidente que vitimou um velho fascista da região não teria sido tão
acidental assim. Como se não bastasse, descobre casualmente um
arsenal de armas de fogo escondido em uma gruta.
É nessa gruta que Montalbano
se depara com um caso que o fascinará: o de um assassinato ocorrido há cerca de 50 anos. Um caso
ao qual o comissário se lança por
conta própria. Como Montalbano
está oficialmente de licença, seu
superior não opõe qualquer objeção à investigação.
Montalbano terá de descobrir o
que fazem em uma gruta os cadáveres mumificados de um casal de
amantes, acompanhados somente de um pote de moedas e de uma
sinistra estatueta de um cão, feita
de terracota. O mergulho de
Montalbano no passado evidencia ainda mais o seu desconforto
com a contemporaneidade.
Camilleri diz evitar tratar da
Máfia em seus romances, pois
desconhece os atuais códigos da
organização, só está familiarizado
com a Máfia antiga.
O retrato de Tano Grego é sintomático. O mafioso decide se aposentar ao verificar que seus métodos não se encaixam mais ao estilo atual. "E se eu lhe disser que os
tempos mudam e a roda gira, acelerada?", indaga a Montalbano, a
fim de convencer o comissário
que seu intento de se entregar é legítimo.
A mesma compaixão que demonstra por Tano Grego, Montalbano, que possui nítida propensão esquerdista, também sente por Misuraca, um ingênuo octogenário fascista. "Diante daquele enorme desfile de corruptores,
corruptos, peculatários, subornadores, achacadores, mentirosos,
ladrões, perjuros, ao qual diariamente se acrescentavam novas fileiras, havia algum tempo o comissário começara a nutrir um
certo afeto pelas pessoas que sabia
incuravelmente honestas", escreve Camilleri.
(BRUNO GARCEZ)
Livro: O Cão de Terracota
Autor: Andrea Camilleri
Tradutora: Joana Angélica d'Avila Melo
Editora: Record
Quanto: R$ 27 (256 págs.)
Texto Anterior: "A Forma da Água": Estréia da série define as manias de Montalbano Próximo Texto: Impressionismo: Marmottan exibe seu acervo de Monet Índice
|