São Paulo, sábado, 13 de maio de 2000


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"O CÃO DE TERRACOTA"

Mergulho no passado encontra Máfia siciliana e crime passional

DA REPORTAGEM LOCAL

R eunir pistas e indícios que o levem a elucidar tramas mirabolantes não parece ser para Salvo Montalbano o objetivo primordial de suas investigações. O nostálgico comissário criado por Andrea Camilleri busca antes reconstituir o que há muito se perdeu ou foi desfigurado.
Montalbano não é um tira comum, tem um quê de arqueólogo, preza valores que outros julgam ultrapassados e, quando investiga, cai muitas vezes em divagações pueris ou começa a sonhar acordado.
Em "O Cão de Terracota", o comissário se depara com uma série de fatos e personagens que, aparentemente, não guardam nenhum vínculo entre si.
Primeiro conhece Tano Grego, um mafioso que, cansado de seu "ofício", se entrega espontaneamente à Justiça. Em seguida, toma ciência de um audacioso assalto a um supermercado local. Levanta também a hipótese de que o acidente que vitimou um velho fascista da região não teria sido tão acidental assim. Como se não bastasse, descobre casualmente um arsenal de armas de fogo escondido em uma gruta.
É nessa gruta que Montalbano se depara com um caso que o fascinará: o de um assassinato ocorrido há cerca de 50 anos. Um caso ao qual o comissário se lança por conta própria. Como Montalbano está oficialmente de licença, seu superior não opõe qualquer objeção à investigação.
Montalbano terá de descobrir o que fazem em uma gruta os cadáveres mumificados de um casal de amantes, acompanhados somente de um pote de moedas e de uma sinistra estatueta de um cão, feita de terracota. O mergulho de Montalbano no passado evidencia ainda mais o seu desconforto com a contemporaneidade.
Camilleri diz evitar tratar da Máfia em seus romances, pois desconhece os atuais códigos da organização, só está familiarizado com a Máfia antiga.
O retrato de Tano Grego é sintomático. O mafioso decide se aposentar ao verificar que seus métodos não se encaixam mais ao estilo atual. "E se eu lhe disser que os tempos mudam e a roda gira, acelerada?", indaga a Montalbano, a fim de convencer o comissário que seu intento de se entregar é legítimo.
A mesma compaixão que demonstra por Tano Grego, Montalbano, que possui nítida propensão esquerdista, também sente por Misuraca, um ingênuo octogenário fascista. "Diante daquele enorme desfile de corruptores, corruptos, peculatários, subornadores, achacadores, mentirosos, ladrões, perjuros, ao qual diariamente se acrescentavam novas fileiras, havia algum tempo o comissário começara a nutrir um certo afeto pelas pessoas que sabia incuravelmente honestas", escreve Camilleri. (BRUNO GARCEZ)


Livro: O Cão de Terracota
   
Autor: Andrea Camilleri
Tradutora: Joana Angélica d'Avila Melo
Editora: Record
Quanto: R$ 27 (256 págs.)


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