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DISCO/CRÍTICA
Guilherme de Brito casa amargura e ternura
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando recebeu convite da
gravadora independente
Lua Discos para voltar a gravar,
há dois anos, o sambista carioca
histórico Guilherme de Brito preferiu a ousadia. Abandonou por
ora os clássicos da parceria com
Nelson Cavaquinho (1910-86) e
foi desvendar composições inéditas e desconhecidas em "Samba
Guardado".
Cumprida aquela etapa, concede a graça de voltar a cantar os
clássicos em "A Flor e o Espinho",
que chega agora às lojas, na flor de
seus 81 anos. À elegância inata do
sambista se somam as da produção de Moacyr Luz e do acompanhamento delicado pelo Trio Madeira Brasil.
Voltar aos clássicos é o que ele já
havia feito nos três discos que pôde gravar em tempos idos. Mas
foram todos lançados de forma
independente, e são todos raridades hoje em dia.
Assim, mesmo se menos impactante que "Samba Guardado", o
novo CD não deixa de atualizar o
caráter documental, dispondo
Guilherme a cantar uma vez mais
canções que sempre celebrizaram
mais o parceiro Nelson Cavaquinho que ele próprio.
Estão ali algumas das obras-primas inquestionáveis do cancioneiro nacional, como a faixa-título, "Folhas Secas", "Pranto de
Poeta", "Quando Eu Me Chamar
Saudade", "Minha Festa".
Ele as canta com voz fragilizada,
inserindo a melancolia do tempo
avançado na tristeza desde sempre inerente a quem concebeu
versos lancinantes como "tire seu
sorriso do caminho/ que eu quero
passar com a minha dor" (de "A
Flor e o Espinho"). Quem conseguiria passar incólume por tão
túrgida recombinação?
Ex-mecânico em fábrica de máquinas de calcular, Guilherme
costura recombinações com precisão. Chama, por exemplo, Beth
Carvalho para cantar com ele a
tristíssima "Folhas Secas".
Toma partido, assim, de célebre
confusão ocorrida na MPB dos
anos 70: o samba fora feito para
Beth, afilhada artística de Nelson,
mas foi surrupiada por inteligentíssima Elis Regina, que teve assim a primazia de lançá-la. Elis
ausente, Guilherme dá a Beth o
que é de Beth.
Em "Distância", borda o inusitado de uma parceria e um dueto
com o áspero Fagner, firmando
em fazendas cearenses um fio de
comunicação com o samba do
Rio de Janeiro.
Amigos do samba como Elton
Medeiros (apenas batucando caixinha de fósforo em "Gotas de
Luar"), Moacyr Luz (em "Minha
Festa") e Beto Cazes (na percussões de "Pranto de Poeta", "Minha Festa" e da simbolista "Garça") também passeiam pelo CD.
Por essas e outras, amizade e
ternura gotejam na voz de Guilherme como lados de trás da tão
decantada amargura explícita da
parceria entre ele e Nelson Cavaquinho.
Nisso, é preciso reouvir "O Dono das Calçadas", que mergulha o
fio de voz de Guilherme em versos
ternos e tenros como "eu que já
vaguei nas madrugadas/ e já fui o
dono das calçadas/ pra todos
aqueles que me estenderam a
mão/ dividi meu coração".
Sombra de pieguice? Nada. Plena de acidez, a melancolia de Nelson e Guilherme não tinha e não tem medo de visitar o lado ensolarado. E Guilherme de Brito segue emocionado, com "o mesmo coração que ainda tem amor pra
dar" de que fala "O Dono das Calçadas". Ai, ai.
A Flor e o Espinho
Artistas: Guilherme de Brito e Trio Madeira Brasil
Lançamento: Lua Discos
Quanto: R$ 25, em média
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