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BIENAL DO LIVRO
Aos 86, o poeta Manoel de Barros faz de "Memórias Inventadas" o início de sua arqueologia pessoal
Construtor de mitos
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REDAÇÃO
Aos 86 anos, o poeta
Manoel de Barros volta
ao seu início em "Memórias Inventadas - A Infância" numa espécie de
auto-arqueologia refinada. Ao tratar de sua infância e primeiras florações poéticas, o pantaneiro inventa-se como
mito de si mesmo.
"Acho que mitologizar é uma
das funções da poesia. Através das
imagens o que aparece é o mito de
mim. Sempre que escrevo, escrevo a criação de um mito. Gosto de
progredir para o início dos seres.
Quando eles inventavam para eles
o mundo possível. Os primitivos
precisam inventar as suas origens.
Os poetas também", datilografou
o escritor no papel de fax em entrevista à Folha.
Reinventando-se, Barros reafirma os desenhos de seus primeiros
versos, aqueles da década de 30,
principalmente do primogênito
"Poemas Concebidos sem Pecado" (1937), que deram à luz Cabeludinho, nome com que o jovem
Manoel era conhecido quando
ainda andava com formigas e
brincava com latas mágicas no
quintal de sua avó, alimentando-se das desutilidades que serviriam
como matéria-prima mais tarde.
"Acho que retomei a flor da infância. Nossa memória depois de
80 anos só funciona para o remoto. Deve ser esse o motivo de minha volta ao Cabeludinho. Só que
agora estou com as ferramentas
de escrever mais afinadas."
Extrapolando os limites entre a
linha em prosa e o verso, essas
"Memórias" trazem a arquitetura
bem acabada do que estava sugerido nos esboços do estudante de
direito no Rio que passava noites
arriscando em versos e aprendendo a entortar a sintaxe e as classes
gramaticais das palavras.
Esse caráter arqueológico do
volume ganha força com a forma
pouco usual em que o livro está
sendo editado, como um elegante
diário a ser xeretado, e com as iluminuras de Martha Barros, filha
artista plástica do escritor.
As ilustrações remetem aos desenhos dos povos primitivos encontrados nas paredes das cavernas. "Existe, sim, a obsessão de
ver o começo. Acho que a Martha
recebeu essa graça também. Ela
faz metáforas de pássaros, de bichos, de coisas. As iluminuras da
Martha perseguem as pré-coisas."
Época da qual pouco fala, o lançamento dessas memórias da infância parece incentivar o poeta a
comentar, nesta entrevista, passagens de sua vida mais adulta. Entre as histórias, revela que, embora vivendo no centro da ebulição
intelectual de 30, que normatizava as inovações modernistas de
22, não entrou em contato com os
famosos.
"Por ter um temperamento caipira nunca me aproximei dos intelectuais. Lia-os e os admirava.
Sobretudo Mário de Andrade,
Raul Bopp e Oswald de Andrade.
Penso que não sofri influência de
nenhum deles."
Essa abertura pode dar esperanças sobre a continuação das memórias pelos anos em que o escritor saiu andarilho pelos Andes e
acabou em Nova York, entrando
em contato com as artes de Picasso, Braque e Chagal, tão caras a
sua poesia, e depois se radicou,
com a família, fazendeiro no Pantanal mato-grossense.
"Planejo, sim, continuar no invento de minhas memórias. As da
mocidade e as da minha velheira.
Não sei se terei tempo para tanto.
As letras não fugirão de mim, estou certo. Meu trabalho há de ser
o de usar as letras e as sílabas e as
palavras como sempre fiz. Sei que
as palavras me obedecem. Elas
vão pro lado que eu escrever. Estou com esperanças. Mas com 86
anos a máquina de inventar está
enferrujando. Não sei, não."
Embora humilde na sua capacidade de continuar poetando, Manoel de Barros tem produzido
bastante. Além dos autógrafos
que distribuirá nas memórias
nesta Bienal do Livro do Rio, lança na ocasião um título infanto-juvenil, também em parceria com sua filha, o "Cantigas por um Passarinho à Toa".
E tudo depois de ganhar as letras européias com a tradução de
seu "O Livro das Ignorãças" (93)
para o francês. "La Parole sans Limites" está bem traduzida. Gostei.
Virei um cuiabano em Paris."
MEMÓRIAS INVENTADAS - A
INFÂNCIA. De: Manoel de Barros.
Editora: Planeta. R$ 34 (74 págs.).
CANTIGAS POR UM PASSARINHO À
TOA. De: Manoel de Barros. Editora:
Record. Quanto: preço a definir.
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