São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 2005

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"CORAÇÃO DE FOGO"

Diretor uruguaio ironiza idealismos, mas prega no deserto

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Dá para definir "Coração de Fogo" de duas maneiras:
1. Simpática fábula antiimperialista que arranca choro fácil ao mesmo tempo em que ironiza o idealismo de gerações passadas.
2. O pequeno Uruguai encara a ingerência externa. Para construir essa alegoria, entretanto, o filme recorre a nada menos que quatro protagonistas argentinos e, ainda, à co-produção do gigante vizinho.
Com um atraso de dois anos, este que foi um verdadeiro blockbuster nos países do Rio da Prata finalmente estréia nas salas de cinema do Brasil.
O filme narra a romântica saga de três idosos, ex-funcionários do sistema ferroviário do Uruguai. Inconformados com a venda de uma velha locomotiva para produtores de cinema de Hollywood, eles roubam a máquina e saem pelas desérticas vias férreas do país, enquanto divulgam sua causa: "El patrimonio no se vende".
O roteiro é fraco, mas se apóia no talento de veteranos como Héctor Alterio ("O Filho da Noiva"), que faz um cardíaco que não quer morrer sem cometer antes um ato de nobreza, e Federico Luppi ("Lugares Comuns"), um maquinista que fantasia ter lutado na Guerra Civil Espanhola.
É pouco, porém, para compensar a falta de bons diálogos, essenciais quando a ação se passa quase toda dentro de uma locomotiva.
Assim como "Whisky", o mais recente sucesso do cinema uruguaio, "Coração de Fogo" lança um olhar para a crise do país e a conseqüente decadência de seu padrão de vida com uma nostalgia mordaz misturada a uma aceitação risonha dos fatos.
É só reparar no Professor, que se vê pregando contra o capitalismo para cavalos e crianças de escolas rurais, pois já não há mais ninguém para ouvir essa mensagem.
O filme resvala no melodrama e exagera na caricatura. Esses, porém, são instrumentos essenciais para o retrato melancólico do Uruguai que Arsuaga compõe.
Curiosamente, o mesmo Uruguai que, pouco depois do filme, elegeria um presidente de esquerda e tiraria o pó de figuras e de discursos políticos da mesma época cheia de idealismos que produziu esses três personagens.
Pelo menos no caso do filme, sabemos que os trilhos que seguiam não levariam a lugar nenhum.


Coração de Fogo
Corazón de Fuego
  
Direção: Diego Arsuaga
Produção: Argentina/Uruguai, 2002 Com: Federico Luppi, Héctor Alterio, José Soriano, Gastón Pauls
Quando: a partir de hoje no HSBC Belas Artes



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