São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 2005

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Wolfe vê moralidade "em desintegração"

DA SUCURSAL DO RIO

Na palestra de abertura da Bienal, o escritor norte-americano Tom Wolfe afirmou que a moralidade do passado está em "desintegração absoluta", sendo substituída por um padrão moral "baseado na conduta sexual".
Wolfe diz ter chegado a essa conclusão após conversar com dezenas de jovens para escrever seu livro recém-lançado, "Eu Sou Charlotte Simmons" (Rocco), um retrato do cotidiano de uma universidade americana criado a partir de uma longa pesquisa.
Usando o beisebol como metáfora, ele disse que, no passado, a primeira base era a apresentação, o conhecimento social; a segunda, o beijo; a terceira, o sexo oral; e a última, a relação sexual.
Na visão do escritor, hoje em dia houve uma mudança nas bases. A primeira delas passou a ser a última, já que as pessoas vão se conhecer depois do sexo. "Não sei qual vai ser o efeito a longo prazo disso, mas temos que pensar".
Wolfe citou ainda a socialite Paris Hilton como um exemplo dos novos tempos. "Nenhum escritor seria capaz de criar uma história na qual uma socialite faz um filme pornô para a internet e vira uma celebridade depois dele", disse.
O escritor buscou no passado a inspiração para prever a literatura do futuro. Para Wolfe, o francês Émile Zola deveria ser a referência dos escritores de hoje, na busca de um "neonaturalismo".
"Eu gostaria de fazer uma exortação a todos os escritores, incluindo os poetas: saiam em massa para falar com as pessoas; façam um trabalho de campo e aprendam por conta própria as coisas que estarão nos jornais do dia seguinte", afirmou, referindo-se à famosa frase de seu compatriota Philip Roth, que disse viver em uma época em que os escritores não conseguem imaginar o que lerão nos jornais de amanhã.
Respondendo a uma pergunta da platéia, Wolfe demonstrou pouco apreço pelos livros que contam histórias fantásticas. "Há romancistas que se dão bem escrevendo grandes fantasias, como a autora de "Harry Potter" [J. K. Rowling] e Stephen King, mas não me parece que seja disso que a literatura precisa hoje", disse.
Ele ainda se referiu a "Terras do Sem Fim", de Jorge Amado, como um romance que tinha essa preocupação com o presente, algo que diz estar em falta na literatura contemporânea. "Muitos romancistas desistiram de estar a par do próprio tempo", afirmou.
Uma outra história brasileira foi lembrada algumas vezes por Wolfe. Ele assistiu ao documentário "Ônibus 174", de José Padilha, e o considerou uma exceção no panorama atual do jornalismo. O caso do homem que seqüestrou um ônibus no Rio e acabou morto pela polícia também foi descrito por Wolfe como um retrato da sociedade da espetacularização. "Um jovem invisível, não reconhecido pela sociedade, acha que, se fizer algo horroroso, a mídia estará do seu lado, mesmo que por pouco tempo", analisou. (LFV)

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