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Crítica/"A Glória de Meu Pai" e "O Castelo de Minha Mãe"
Robert rememora com encanto a infância
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Há algo de deliciosamente extemporâneo,
para não dizer démodé, no modo como Yves Robert
transformou, em 1990, as memórias de infância do escritor e
cineasta Marcel Pagnol (1895-1974) nos longas complementares "A Glória de Meu Pai" e
"O Castelo de Minha Mãe".
Na superfície, trata-se de
uma rememoração nostálgica e
bucólica dos anos de formação
do pequeno Marcel (Julien Ciamaca), no início do século 20,
entre Marselha, onde ele mora
e estuda, e as belas montanhas
da Provença, onde a família
tem um chalé.
Visto com atenção, porém,
esse díptico de Robert/Pagnol é
uma prodigiosa orquestração
de pequenas e grandes tensões
subterrâneas. Há, por exemplo,
o contraste entre o pai de Marcel, Joseph (Philippe Caubère),
ateu e livre-pensador, a própria
encarnação do iluminismo
francês, e a mãe, Augustine
(Nathalie Roussel), toda doçura e inocência, temerosa de que
o "excesso de saber" prejudique
a saúde do filho.
No pai, Marcel vê, inicialmente, o modelo ideal, o super-homem sem fraquezas ou fissuras, e só aos poucos descobre
-e valoriza- sua imperfeita
humanidade. Analogamente, à
medida que descobre o mundo,
o menino se descola da figura
aconchegante da mãe.
Nesse processo, Marcel conhece, em "A Glória de Meu
Pai", a amizade (com Lili, um
esperto menino do campo); e
em "O Castelo de Minha Mãe",
o amor (por Isabelle, uma garota mimada e cruel).
Cidade e campo, ciência e religião (representada por um tio
bonachão), trabalho e lazer,
modernidade e arcaísmo, família e mundo, natureza e cultura
-são esses os jogos de opostos
que Yves Robert conduz com
seu artesanato hábil e seguro,
seu uso expressivo da profundidade de campo, seu gosto sensual pela paisagem provençal.
A narração em "off", em primeira pessoa, por um Marcel já
adulto, longe de redundar as
imagens, comenta-as com humor e ironia. O texto tem passagens ótimas, como a que narra o primeiro confronto do pré-adolescente Marcel com uma
menina: "Até então eu não tivera nenhum contato com mulheres, só com mamãe e tia Rose, que não eram mulheres, eram mamãe e tia Rose".
A caracterização dos personagens é ligeiramente enfática,
puxando para o pitoresco, como convém a lembranças filtradas pelo afeto e pela fantasia
infantil. Robert, ele próprio
ator de certo renome, confere a
seu elenco adulto e mirim uma
notável unidade de tom, entre o
singelo e o burlesco.
Para melhor fruição, é melhor ver "A Glória..." antes de
"O Castelo...". A lamentar que
os extras sejam só trailers.
A GLÓRIA DE MEU PAI/O CASTELO DE MINHA MÃE
Lançamento: Versátil
Quanto: R$ 44,90 (cada um)
Avaliação: ótimo
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