JOSIMAR MELO
especial para a Folha

Parece existir um jeito de escrever sobre comida que é próprio às mulheres. Não à qualquer uma, é claro. Mas existe uma ligação de estilo -e de espírito- entre autoras como a inglesa Elizabeth David e a norte-americana M.F.K. Fisher. E Nina Horta. E, agora, Orietta del Sole, artista plástica multifacetada que, dois anos após morrer, tem lançadas as crônicas gastronômicas "Nunca Treze à Mesa - Andanças e Histórias Gastronômicas".
Orietta, italiana aristocrática, "globe-trotter" com seu marido de vida inteira Bruno Colagrande, finalmente estabelecida no Brasil, morreu em 1995 aos 73 anos.
Fez muito barulho enquanto esteve por aqui. Cenógrafa, criadora de colagens, tinha entre suas grandes performances receber gente para comer. Antes que sua comida fosse servida, o espetáculo era a mesa, decorada com abóboras, brocados, panos da Indonésia.
A idéia do livro nasceu dessa cumplicidade com a comida e a mesa. O dia em que um garoto -o príncipe Rainier de Mônaco- roubou seu chapéu na praia suscita uma receita de espaguete com água do mar. A bronca que, diante de seus olhos, Gina Lollobrigida aplica em seu filho é pretexto para que ensine um "vol-au-vent" com fettuccine verde e presunto.
A ascensão do fascismo italiano embalado pela filosofia culinária do futurista Marinetti. Um velho caderno de receitas incinerado. Lembranças de viagens e de cenas domésticas vão fazendo aparecer receitas. Mas as receitas -muitas apetitosas, outras ao menos curiosas- são mero brinde para coroar a boa prosa de Orietta del Sole.
Justamente esta prosa cativante das autoras citadas. Elas falam de comida falando da vida. Parecem estar conversando com a vizinha sobre o muro, numa tarde preguiçosa, só que não trocando receitas de como alimentar o marido, mas alimentando as próprias almas.

Livro: "Nunca Treze à Mesa - Andanças e Histórias Gastronômicas" Lançamento: Companhia das Letras Organização: Eduardo Logullo Quanto: R$ 35 (320 págs.)


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