LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL

No ano de seu centenário, Cartola ganha duas homenagens que, por caminhos diferentes, driblam a obviedade e criam novos desenhos para sua obra.
Em "Angenor" (nome do compositor, morto em 1980), Cida Moreira altera seu estilo teatral, quase operístico, para se adequar aos sambas de câmara do autor. E grava algumas músicas pouco conhecidas, mostrando que sempre há o que se redescobrir em Cartola.
Já em "Chora Cartola", a novidade não está no repertório, bem previsível, mas nas interpretações instrumentais, com arranjos criados, em sua maioria, pelo autor do projeto, Henrique Cazes. Executadas por poucos e ótimos músicos, as versões reforçam o grande melodista que foi Cartola.
Duas faixas exemplificam o desafio de Cida ao gravar Cartola. Em "O Mundo É um Moinho", ela baixa tanto a voz que a torna roufenha, buscando uma dramaticidade que tem seu efeito, mas que não é necessária diante de uma canção tão belamente dramática. Já em "Autonomia" ela consegue alternar contenção e expansão, rendendo-se a Cartola sem deixar de ser Cida.
Outros momentos de destaque, até pelo inesperado, são canções "lado B" de Cartola, como "Evite meu Amor" e "Fim de Estrada", com suas tristezas que balançam em arranjos com baixo, trombone e discreta percussão.
Das clássicas, ainda vale ressaltar "Cordas de Aço", com mais balanço do que de costume, "Acontece", em registro bem samba-choro, e "Nós Dois", prova do acerto de Cida em se amparar em dois violões, à moda dos antigos regionais.
Embora não seja uma competição, é difícil não destacar o clarinetista Paulo Sérgio Santos e o violonista Marcello Gonçalves em "Chora Cartola".
Sem agredir a economia que marca seus estilos, eles fazem de "Que Sejam Bem-vindos" a faixa mais lancinante do CD. E, muito bem apoiados pelos irmãos Henrique (cavaquinho) e Beto (percussão) Cazes, mantêm o clima de gafieira de "Divina Dama".
Ainda que algumas faixas não tragam muito frescor a canções conhecidas de Cartola, o resultado é bom, graças a mestres como Joel Nascimento (bandolim) e Rildo Hora (gaita).