São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2001

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CINEMA/ESTRÉIAS

"BODAS DE SANGUE"

Reestréia traz adaptação de 1981 do diretor espanhol Carlos Saura para o texto de García Lorca

Filme mostra Antonio Gades insuperável

ANA FRANCISCA PONZIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A reestréia de "Bodas de Sangue" em São Paulo traz de volta a obra-prima coreográfica de Antonio Gades, filmada por Carlos Saura em 1981, quando o cineasta espanhol estava na melhor fase de sua carreira.
Rever ou descobrir "Bodas de Sangue" hoje é um privilégio, que comprova que Gades continua insuperável. Ao despojar o flamenco de efeitos supérfluos, Gades atingiu um requinte único. Tê-lo como referência permite, inclusive, discernir joio e trigo em meio ao modismo que cerca atualmente a dança espanhola.
Sofisticada e, ao mesmo tempo, elementar, a adaptação coreográfica feita por Gades para a história de amor, traição e morte de Federico García Lorca começa como uma espécie de documentário, com os bailarinos chegando aos camarins.
Nesses primeiros momentos do filme, Gades faz breves depoimentos. Relembra os tempos de fome e o trabalho como pugilista, antes de envolver-se definitivamente com a dança, aos 14 anos.
Harmonizadas, as cenas de bastidores e a subsequente representação dançada denotam a cumplicidade de Gades e Saura. Na coreografia e na filmagem, ambos concederam caráter ritualístico à obra, cuja direção de fotografia, a cargo de Teo Escamilla, proporciona imagens de profunda beleza. Envolvidos pelo amadeirado do estúdio de dança, os personagens desenvolvem a trama passional com o equilíbrio que Gades foi buscar na arte construtivista.
Segundo Gades, foi o construtivismo que lhe permitiu compreender o que é uma linha pura, além do gosto pela perfeição. Tais qualidades ele transpôs para o filme numa sucessão de cenas memoráveis, cujo ápice é o duelo entre os rivais (Gades e Juan Antonio Jimenez) que disputam a noiva (Cristina Hoyos).
Com extrema concentração, os dois bailarinos dançam como se estivessem sendo filmados em câmera lenta. Sob o peso do silêncio, movem-se devagar e com precisão, enquanto a câmera passeia ao redor deles, em ritmo normal.
Até chegar nessas imagens, que culminam com a noiva solitária, a história de Lorca tem sua contundência preservada em cada minuto da coreografia. O grau de despojamento geral chega a ser arcaico, lembrando o teatro japonês, que ecoa inclusive na maquiagem dos atores. Mesmo sem cenários realistas, "Bodas de Sangue" recria o clima das festas populares.
Em razão do câncer que o acomete há alguns anos, Gades deixou de produzir. Pela lacuna que o coreógrafo está deixando nos palcos, o filme "Bodas de Sangue" surge como oportunidade para vê-lo num auge compartilhado por Cristina Hoyos, Juan Antonio Jimenez e o próprio Saura.

Bodas de Sangue
Bodas de Sangre
    
Direção: Carlos Saura
Produção: Espanha, 1981
Com: Antonio Gades, Cristina Hoyos
Quando: a partir de hoje no Belas Artes



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