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CINEMA/ESTRÉIA
"TABU"
Crime, sexo, paixão e loucura são os assuntos prediletos de Oshima; longa traz clã de samurais conservadores
Filme mostra amor e morte inseparáveis
LÚCIA NAGIB
ARTICULISTA DA FOLHA
"O escândalo não é mais
possível", declarava o
mestre do escândalo André Breton, mais de meio século atrás. O
anúncio certamente permanece
válido para a maioria dos artistas
e suas obras, mas não para o cineasta Nagisa Oshima, cujo "Tabu" estréia agora no Brasil. Oshima consegue quebrar "interditos"
(o sentido literal de "Gohatto", título original do filme) mesmo onde tudo parece liberado.
Crime, sexo, paixão e loucura
são os assuntos óbvios de todas as
artes, particularmente do cinema,
um meio sensacionalista por excelência. E são também os temas
prediletos de Oshima, que porém
se distingue por sustentar (e daí o
escândalo) que o assassino compulsivo, o estuprador, o homossexual, o traidor, o covarde e o suicida não são exceção, mas a regra, e
encontram-se exatamente ali onde parecem banidos.
O militarismo japonês, com
suas estritas regras de conduta,
torna-se, assim, cenário privilegiado do escândalo. Foi sobre o
pano de fundo do levante militar
ultranacionalista de 1936 que Oshima outrora instalou sua imperatriz dos sentidos, que, indiferente à repressão reinante, entrega-se a todos os prazeres do sexo,
afinal estrangulando o amante no
talvez mais belo filme erótico de
todos os tempos ("O Império dos
Sentidos", 1976). Pertencia a essa
mesma elite militar o capitão Yonoi de "Furyo - Em Nome da
Honra" (1982), que vive o mais
proibido dos desejos: a paixão por
um homem, seu prisioneiro.
Em "Tabu", recua-se para 1865,
em Kyoto, mas o cenário repressivo permanece. Trata-se de um clã
de samurais conservadores, o
Shinsen-gumi, do fim da Era Tokugawa, que recruta milícias para
proteger o shogunato e impedir a
abertura do Japão para o comércio exterior e a modernização.
O filme é pontuado pelos mandamentos do código do clã, que
pune com a morte os menores
deslizes. Mas a aparição de Kano,
um lindo espadachim de 18 anos,
provoca reações pouco usuais em
filmes de samurais. O efebo receberá declarações de amor de seus
valentes companheiros.
Tal como Yonoi, representado
pelo então jovem e ambíguo
Ryuichi Sakamoto, Kano, o ator
estreante Ryuhei Matsuda, é estetizado à beira da inverosimilhança. Seus cabelos presos em rabo-de-cavalo se desenham como os
de um personagem de mangá.
Classicismo e ousadia se combinam no tema e na estética. Os closes na boca rósea do rapaz, com
contracampos nos lábios crispados dos comandantes, escancaram a atração sexual.
Muito já se falou na literatura japonesa da amizade apaixonada
entre samurais, e "Tabu" se baseia
em contos de Ryotaro Shiba. Mas
o escândalo se dá por revelar a natureza física desse amor e por tratar do homossexualismo como
inclinação dos guerreiros. O interdito se revela como a própria
alma do shogunato, pois é a força
da atração física e do ciúme que
inflama os samurais na matança
do inimigo e de si mesmos.
Oshima encerra com um delírio
visionário, numa paisagem noturna e enevoada à la Mizoguchi,
onde os personagens centrais meditam sobre sua própria loucura.
Um fecho de mestre, num filme
contido e claro, em que amor e
morte são forças naturais, inseparáveis e invencíveis.
Tabu
Gohatto
Direção: Nagisa Oshima
Produção: Japão, 2000
Com: Takeshi Kitano, Shinji Takeda
Quando: a partir de hoje na sala UOL e
no Cinesesc
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