São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"TABU"

Crime, sexo, paixão e loucura são os assuntos prediletos de Oshima; longa traz clã de samurais conservadores

Filme mostra amor e morte inseparáveis

LÚCIA NAGIB
ARTICULISTA DA FOLHA

"O escândalo não é mais possível", declarava o mestre do escândalo André Breton, mais de meio século atrás. O anúncio certamente permanece válido para a maioria dos artistas e suas obras, mas não para o cineasta Nagisa Oshima, cujo "Tabu" estréia agora no Brasil. Oshima consegue quebrar "interditos" (o sentido literal de "Gohatto", título original do filme) mesmo onde tudo parece liberado.
Crime, sexo, paixão e loucura são os assuntos óbvios de todas as artes, particularmente do cinema, um meio sensacionalista por excelência. E são também os temas prediletos de Oshima, que porém se distingue por sustentar (e daí o escândalo) que o assassino compulsivo, o estuprador, o homossexual, o traidor, o covarde e o suicida não são exceção, mas a regra, e encontram-se exatamente ali onde parecem banidos.
O militarismo japonês, com suas estritas regras de conduta, torna-se, assim, cenário privilegiado do escândalo. Foi sobre o pano de fundo do levante militar ultranacionalista de 1936 que Oshima outrora instalou sua imperatriz dos sentidos, que, indiferente à repressão reinante, entrega-se a todos os prazeres do sexo, afinal estrangulando o amante no talvez mais belo filme erótico de todos os tempos ("O Império dos Sentidos", 1976). Pertencia a essa mesma elite militar o capitão Yonoi de "Furyo - Em Nome da Honra" (1982), que vive o mais proibido dos desejos: a paixão por um homem, seu prisioneiro.
Em "Tabu", recua-se para 1865, em Kyoto, mas o cenário repressivo permanece. Trata-se de um clã de samurais conservadores, o Shinsen-gumi, do fim da Era Tokugawa, que recruta milícias para proteger o shogunato e impedir a abertura do Japão para o comércio exterior e a modernização.
O filme é pontuado pelos mandamentos do código do clã, que pune com a morte os menores deslizes. Mas a aparição de Kano, um lindo espadachim de 18 anos, provoca reações pouco usuais em filmes de samurais. O efebo receberá declarações de amor de seus valentes companheiros.
Tal como Yonoi, representado pelo então jovem e ambíguo Ryuichi Sakamoto, Kano, o ator estreante Ryuhei Matsuda, é estetizado à beira da inverosimilhança. Seus cabelos presos em rabo-de-cavalo se desenham como os de um personagem de mangá.
Classicismo e ousadia se combinam no tema e na estética. Os closes na boca rósea do rapaz, com contracampos nos lábios crispados dos comandantes, escancaram a atração sexual.
Muito já se falou na literatura japonesa da amizade apaixonada entre samurais, e "Tabu" se baseia em contos de Ryotaro Shiba. Mas o escândalo se dá por revelar a natureza física desse amor e por tratar do homossexualismo como inclinação dos guerreiros. O interdito se revela como a própria alma do shogunato, pois é a força da atração física e do ciúme que inflama os samurais na matança do inimigo e de si mesmos.
Oshima encerra com um delírio visionário, numa paisagem noturna e enevoada à la Mizoguchi, onde os personagens centrais meditam sobre sua própria loucura. Um fecho de mestre, num filme contido e claro, em que amor e morte são forças naturais, inseparáveis e invencíveis.

Tabu
Gohatto
    
Direção: Nagisa Oshima
Produção: Japão, 2000
Com: Takeshi Kitano, Shinji Takeda
Quando: a partir de hoje na sala UOL e no Cinesesc



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