São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2005

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MÚSICA

Coleção, que recupera 11 discos de Roberto Carlos, mostra perda de inventividade e dogmatismo que envelhece o cantor

Caixa "anos 80" revela repetições do Rei

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

A realidade insiste em nos ensinar que, quando se isolam e se refestelam em suas palavras de ordem, mesmo os mais populares dos soberanos caem. A caixa "anos 80" de Roberto Carlos (Sony BMG), que chega às lojas, mostra os primeiros anos da queda livre do Rei.
São 11 CDs em que Roberto, sem a inventividade que ainda existia na década anterior e com um dogmatismo que o fazia envelhecer de maneira canhestra, repete-se em seus temas habituais: religião, desilusão amorosa e sexo, acrescentando a eles visões em geral pouco otimistas sobre ecologia e o futuro do mundo.
A repetição é retratada no título dos discos (sempre "Roberto Carlos", sendo que um é "Ao Vivo") e nas capas, com as variações nos cortes de cabelo e no uso das cores azul e branco, alertando o público de que, a cada Natal, o Rei estava mudando para ser o mesmo.
O disco "Ao Vivo", de 88, é o Roberto que permanece cristalizado até hoje: músicas consagradas interpretadas com competência sob os arranjos grandiloqüentes do maestro Eduardo Lages.
Nos outros dez, a anemia criativa se traduz em poucas músicas interessantes e abre espaço para que compositores raramente felizes tenham suas cotas (Lages/ Paulo Sérgio Valle; Maurício Duboc/Carlos Colla; Mauro Motta/ Eduardo Ribeiro).
Como que confirmando a imagem da queda livre, os primeiros discos são melhores. Entre 80 e 82, encontram-se músicas à altura de um Rei eterno: "Amante à Moda Antiga", "Emoções" e "Fera Ferida". Mesmo o erotismo à beira do vulgar tinha mais qualidade, como em "Cama e Mesa", assim como os arroubos ecológicos ("As Baleias") e as canções de fossa ("Amiga").
Nos anos seguintes, enquanto o país mudava politicamente e a juventude mostrava suas novas armas criativas, Roberto Carlos foi ficando preso a uma camisa-de-força criada por ele mesmo e pelos executivos de gravadoras: arranjos repetitivos e banais, músicas de trabalho apelativas (como a ufanista "Verde e Amarelo", de 85, e a politicamente correta "Amazônia", de 89) e o início da estratégia de compor para grupos mercadologicamente importantes, como os caminhoneiros.
A caixa registra de formas opostas dois momentos ruins pelos quais Roberto Carlos passou naquela década. Em "Caminhoneiro", do disco de 84, foi acusado de plágio por John Hartford e teve de passar a dar o crédito ao compositor norte-americano. Já "O Careta", que foi retirada do disco de 87 (não há uma versão oficial da gravadora para a supressão), rendeu ao Rei um longo processo em que se provou que a música é um plágio de outra do desconhecido Sebastião Braga.
A pena indígena (mexicana) pendendo da orelha no disco de 89, as novas tentativas de produzir um discurso político (como em "Apocalipse", de 86) e as canções religiosas de qualidade cada vez menor mostram o Rei tornando-se uma caricatura e, aparentemente, não se dando conta disso.
Em 83, em "O Amor Está na Moda", ele ainda teve humor para brincar com seu tão falado anacronismo: "O ciúme me causa problemas/ E eu às vezes não posso conter/ Reações de um machismo ridículo/ Que nem sempre consigo esconder". É o que também fez em "A Atriz" (85), ao expor seu ciúme da então mulher Myriam Rios. Com o tempo, foi perdendo o riso e o prumo.
Além de ter os primeiros registros de algumas (poucas) músicas importantes, a caixa permite a quem gosta do Rei fazer um trabalho de garimpagem e ver como, em meio a tanto cascalho, há algumas pedras preciosas até hoje mal conhecidas.
Um exemplo é "Fim de Semana" (82), em que um pai divorciado relata o prazer de passear com os filhos no sábado e domingo a que tem direito. A canção é simples, quase boba de tão leve, e ao mesmo tempo comovente.
Outro é a nostálgica "Aquela Coisa Simples" (86), lamento de um Rei que gostaria, às vezes, de voltar a ser plebeu. Mas já era tarde. Ele já tinha se tornado prisioneiro de seu público, seus dogmas, suas emoções.


Roberto Carlos Pra Sempre - Anos 80
Quanto: R$ 300 (11 CDs)



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