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MÚSICA
Coleção, que recupera 11 discos de Roberto Carlos, mostra perda de inventividade e dogmatismo que envelhece o cantor
Caixa "anos 80" revela repetições do Rei
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
A realidade insiste em nos ensinar que, quando se isolam e se refestelam em suas palavras de ordem, mesmo os mais populares
dos soberanos caem. A caixa
"anos 80" de Roberto Carlos
(Sony BMG), que chega às lojas,
mostra os primeiros anos da queda livre do Rei.
São 11 CDs em que Roberto,
sem a inventividade que ainda
existia na década anterior e com
um dogmatismo que o fazia envelhecer de maneira canhestra, repete-se em seus temas habituais:
religião, desilusão amorosa e sexo, acrescentando a eles visões em
geral pouco otimistas sobre ecologia e o futuro do mundo.
A repetição é retratada no título
dos discos (sempre "Roberto Carlos", sendo que um é "Ao Vivo") e
nas capas, com as variações nos
cortes de cabelo e no uso das cores
azul e branco, alertando o público
de que, a cada Natal, o Rei estava
mudando para ser o mesmo.
O disco "Ao Vivo", de 88, é o
Roberto que permanece cristalizado até hoje: músicas consagradas interpretadas com competência sob os arranjos grandiloqüentes do maestro Eduardo Lages.
Nos outros dez, a anemia criativa se traduz em poucas músicas
interessantes e abre espaço para
que compositores raramente felizes tenham suas cotas (Lages/
Paulo Sérgio Valle; Maurício Duboc/Carlos Colla; Mauro Motta/
Eduardo Ribeiro).
Como que confirmando a imagem da queda livre, os primeiros
discos são melhores. Entre 80 e 82,
encontram-se músicas à altura de
um Rei eterno: "Amante à Moda
Antiga", "Emoções" e "Fera Ferida". Mesmo o erotismo à beira do
vulgar tinha mais qualidade, como em "Cama e Mesa", assim como os arroubos ecológicos ("As
Baleias") e as canções de fossa
("Amiga").
Nos anos seguintes, enquanto o
país mudava politicamente e a juventude mostrava suas novas armas criativas, Roberto Carlos foi
ficando preso a uma camisa-de-força criada por ele mesmo e pelos executivos de gravadoras: arranjos repetitivos e banais, músicas de trabalho apelativas (como a
ufanista "Verde e Amarelo", de
85, e a politicamente correta
"Amazônia", de 89) e o início da
estratégia de compor para grupos
mercadologicamente importantes, como os caminhoneiros.
A caixa registra de formas opostas dois momentos ruins pelos
quais Roberto Carlos passou naquela década. Em "Caminhoneiro", do disco de 84, foi acusado de
plágio por John Hartford e teve de
passar a dar o crédito ao compositor norte-americano. Já "O Careta", que foi retirada do disco de 87
(não há uma versão oficial da gravadora para a supressão), rendeu
ao Rei um longo processo em que
se provou que a música é um plágio de outra do desconhecido Sebastião Braga.
A pena indígena (mexicana)
pendendo da orelha no disco de
89, as novas tentativas de produzir um discurso político (como
em "Apocalipse", de 86) e as canções religiosas de qualidade cada
vez menor mostram o Rei tornando-se uma caricatura e, aparentemente, não se dando conta disso.
Em 83, em "O Amor Está na
Moda", ele ainda teve humor para
brincar com seu tão falado anacronismo: "O ciúme me causa
problemas/ E eu às vezes não posso conter/ Reações de um machismo ridículo/ Que nem sempre
consigo esconder". É o que também fez em "A Atriz" (85), ao expor seu ciúme da então mulher
Myriam Rios. Com o tempo, foi
perdendo o riso e o prumo.
Além de ter os primeiros registros de algumas (poucas) músicas
importantes, a caixa permite a
quem gosta do Rei fazer um trabalho de garimpagem e ver como,
em meio a tanto cascalho, há algumas pedras preciosas até hoje mal
conhecidas.
Um exemplo é "Fim de Semana" (82), em que um pai divorciado relata o prazer de passear com
os filhos no sábado e domingo a
que tem direito. A canção é simples, quase boba de tão leve, e ao
mesmo tempo comovente.
Outro é a nostálgica "Aquela
Coisa Simples" (86), lamento de
um Rei que gostaria, às vezes, de
voltar a ser plebeu. Mas já era tarde. Ele já tinha se tornado prisioneiro de seu público, seus dogmas, suas emoções.
Roberto Carlos Pra Sempre -
Anos 80
Quanto: R$ 300 (11 CDs)
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