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Onde o Rio é mais português
Chef conduz passeio por bares e restaurantes em busca do melhor bolinho de bacalhau carioca
JULIANA AGUIAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ele é o queridinho na preferência popular, freqüenta o balcão de todos os botecos da cidade, mas é suficientemente fino
para também constar dos cardápios dos chefs por mais invencionices que tenham. O bolinho de bacalhau, de origem
portuguesa, tornou-se uma instituição carioca e um clássico
da gastronomia local.
Outro dia fui ao Jobi, botequim famoso do Leblon, zona
sul do Rio, que serve um delicioso bolinho de bacalhau. Entre um caldinho e uma mordida
no quitute, escutei uma conversa da mesa ao lado: "Esse é o
melhor bolinho de bacalhau da
cidade." O senhor da cabeceira
retrucou: "Não é, não. O do Alfaia é melhor!".
Afinal qual é o segredo do bolinho de bacalhau?
Resolvi seguir a pista e decidi
então mapear os bolinhos cidade afora. Primeiro por zona, depois por bairro e rua. Descobri
que seria mais difícil do que
imaginava. Optei por seguir a
dica dada pela mesa ao lado.
Comecei pelo restaurante Alfaia, em Copacabana, onde o
bolinho de bacalhau é vendido
como entrada ou prato principal. O garçom José Lopes Lima,
35, é categórico: o restaurante
não dá a receita de jeito nenhum. É segredo guardado a
sete garfos. Mas confessa que,
de tanto observar, já fez em casa e acabou dando certo.
Em Botafogo, na Adega do
Valentim, onde os garçons recebem muito bem os seus
clientes e as paredes contam a
história do bacalhau, o cozinheiro Antonio Rodrigues da
Silva, 29, dá o serviço: dessalga
o bacalhau durante cinco dias,
trocando a água fria duas vezes
por dia. Limpa e desfia o peixe e
mistura com a mesma quantidade de batata. Junta ovos,
cheiro verde e um generoso refogado de cebola.
Parece não ter mistério. Mas
o que faz uns serem mais macios, molinhos e crocantes do
que outros? Existe proporção
batata-bacalhau correta?
Na verdade, bolinhos são a
síntese da nossa culinária. Tudo pode se transformar numa
bolinha frita. É uma boa maneira de aproveitar as sobras. O
bolinho de bacalhau, que veio
com os portugueses, talvez tenha sido o primeiro deles.
Apesar de muitos brasileiros
duvidarem dessa procedência,
dizendo que em Portugal não é
fácil encontrar tal iguaria,
meus livros de receitas afirmam o contrário: o bolinho de
bacalhau é comida portuguesa,
com certeza. Às vezes, aparece
em escritos como pastel de bacalhau, mas está lá.
Sr. Soares, 77, o português
dono do restaurante A Marisqueira, que funciona em Copacabana desde 1954, esclarece:
"O bolinho de bacalhau é vendido em Lisboa, com o mesmo
nome. Só que os nossos são melhores. Não desfiam o bacalhau,
colocam nacos, misturados
com batata. Parece um batatalhau. É horrível!".
Mario Perez da Silva, 40, cozinheiro do mesmo A Marisqueira, conta meio desconfiado
que cozinha e processa o bacalhau desfiado e a batata juntos.
Para ele, a quantidade de tubérculo é sempre um pouco maior
do que a de peixe. Também ressalta a importância da qualidade do óleo para dar a tal "crocância".
Como fritar
Trabalhar com fritura é uma
arte. A temperatura tem de estar correta: óleo morno encharca o salgadinho, óleo quente demais pode queimar por fora e
não cozinhar por dentro. Óleo
usado dá gosto ruim.
Aos sábados, nas vielas da
Cadeg, mercado hortifrúti em
Benfica (zona norte), os portugueses improvisam uma festa.
Ao som do vira, com lombinho
de porco, sardinha na brasa e
bolinho de bacalhau, Maria de
Lourdes, 42, filha de lusitanos,
explica: "O redondinho tal qual
conhecemos é uma invenção
comercial para facilitar as vendas. O original é feito das sobras
da bacalhoada das festas cristãs, misturado a batatas e ovos.
Fica uma massa leve e mole, difícil de enrolar, que é levada à
fritura com uma colher".
O Flor de Coimbra, restaurante da Lapa, reduto de artistas no centro da cidade, faz diferente. Ali o bolinho é servido
em forma de charuto. O garçom
conta que no começo eram feitos na colher, mas com o passar
do tempo o padrão mudou
transformando o bolinho compridinho em marca registrada.
Os preços variam pela cidade. A porção com seis unidades
sai entre R$ 15 e R$ 41, e a unidade em torno dos R$ 3.
Todos trazem no sabor uma
lembrança qualquer, uma história guardada. Gostoso mesmo é provar todos que puder.
Se tiver disposição para enfrentar a maratona, este é um bom
pretexto pra conhecer um Rio
mais autêntico.
A chef JULIANA AGUIAR, 32, é responsável pela qualidade dos produtos do Ateliê Culinário, no
Rio de Janeiro
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