São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 2006

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Onde o Rio é mais português

Chef conduz passeio por bares e restaurantes em busca do melhor bolinho de bacalhau carioca

JULIANA AGUIAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ele é o queridinho na preferência popular, freqüenta o balcão de todos os botecos da cidade, mas é suficientemente fino para também constar dos cardápios dos chefs por mais invencionices que tenham. O bolinho de bacalhau, de origem portuguesa, tornou-se uma instituição carioca e um clássico da gastronomia local.
Outro dia fui ao Jobi, botequim famoso do Leblon, zona sul do Rio, que serve um delicioso bolinho de bacalhau. Entre um caldinho e uma mordida no quitute, escutei uma conversa da mesa ao lado: "Esse é o melhor bolinho de bacalhau da cidade." O senhor da cabeceira retrucou: "Não é, não. O do Alfaia é melhor!".
Afinal qual é o segredo do bolinho de bacalhau?
Resolvi seguir a pista e decidi então mapear os bolinhos cidade afora. Primeiro por zona, depois por bairro e rua. Descobri que seria mais difícil do que imaginava. Optei por seguir a dica dada pela mesa ao lado. Comecei pelo restaurante Alfaia, em Copacabana, onde o bolinho de bacalhau é vendido como entrada ou prato principal. O garçom José Lopes Lima, 35, é categórico: o restaurante não dá a receita de jeito nenhum. É segredo guardado a sete garfos. Mas confessa que, de tanto observar, já fez em casa e acabou dando certo.
Em Botafogo, na Adega do Valentim, onde os garçons recebem muito bem os seus clientes e as paredes contam a história do bacalhau, o cozinheiro Antonio Rodrigues da Silva, 29, dá o serviço: dessalga o bacalhau durante cinco dias, trocando a água fria duas vezes por dia. Limpa e desfia o peixe e mistura com a mesma quantidade de batata. Junta ovos, cheiro verde e um generoso refogado de cebola.
Parece não ter mistério. Mas o que faz uns serem mais macios, molinhos e crocantes do que outros? Existe proporção batata-bacalhau correta?
Na verdade, bolinhos são a síntese da nossa culinária. Tudo pode se transformar numa bolinha frita. É uma boa maneira de aproveitar as sobras. O bolinho de bacalhau, que veio com os portugueses, talvez tenha sido o primeiro deles. Apesar de muitos brasileiros duvidarem dessa procedência, dizendo que em Portugal não é fácil encontrar tal iguaria, meus livros de receitas afirmam o contrário: o bolinho de bacalhau é comida portuguesa, com certeza. Às vezes, aparece em escritos como pastel de bacalhau, mas está lá.
Sr. Soares, 77, o português dono do restaurante A Marisqueira, que funciona em Copacabana desde 1954, esclarece: "O bolinho de bacalhau é vendido em Lisboa, com o mesmo nome. Só que os nossos são melhores. Não desfiam o bacalhau, colocam nacos, misturados com batata. Parece um batatalhau. É horrível!".
Mario Perez da Silva, 40, cozinheiro do mesmo A Marisqueira, conta meio desconfiado que cozinha e processa o bacalhau desfiado e a batata juntos. Para ele, a quantidade de tubérculo é sempre um pouco maior do que a de peixe. Também ressalta a importância da qualidade do óleo para dar a tal "crocância".

Como fritar
Trabalhar com fritura é uma arte. A temperatura tem de estar correta: óleo morno encharca o salgadinho, óleo quente demais pode queimar por fora e não cozinhar por dentro. Óleo usado dá gosto ruim.
Aos sábados, nas vielas da Cadeg, mercado hortifrúti em Benfica (zona norte), os portugueses improvisam uma festa. Ao som do vira, com lombinho de porco, sardinha na brasa e bolinho de bacalhau, Maria de Lourdes, 42, filha de lusitanos, explica: "O redondinho tal qual conhecemos é uma invenção comercial para facilitar as vendas. O original é feito das sobras da bacalhoada das festas cristãs, misturado a batatas e ovos.
Fica uma massa leve e mole, difícil de enrolar, que é levada à fritura com uma colher". O Flor de Coimbra, restaurante da Lapa, reduto de artistas no centro da cidade, faz diferente. Ali o bolinho é servido em forma de charuto. O garçom conta que no começo eram feitos na colher, mas com o passar do tempo o padrão mudou transformando o bolinho compridinho em marca registrada.
Os preços variam pela cidade. A porção com seis unidades sai entre R$ 15 e R$ 41, e a unidade em torno dos R$ 3. Todos trazem no sabor uma lembrança qualquer, uma história guardada. Gostoso mesmo é provar todos que puder.
Se tiver disposição para enfrentar a maratona, este é um bom pretexto pra conhecer um Rio mais autêntico.


A chef JULIANA AGUIAR, 32, é responsável pela qualidade dos produtos do Ateliê Culinário, no Rio de Janeiro

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