São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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TEATRO

"NADA MAIS FOI DITO NEM PERGUNTADO"

Montagem expõe os rituais jurídicos

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Além de cega, a justiça é susceptível. Todo cuidado é pouco diante dela: cada palavra tem que ser medida, cada gesto planejado, e logo se estabelece um ritual delicado, entre o épico e o comezinho, entre o ridículo e o revelador.
Para expressar esse universo acertando esse difícil tom, nada melhor que um observador participante. Advogado, Luís Francisco Carvalho Filho, da equipe de articulistas da Folha, estabelece em "Nada Mais Foi Dito nem Perguntado" 11 pequenas fábulas, quase documentos antropológicos, usando o domínio que tem do trâmite jurídico para expô-lo diante do senso comum, com agudeza, mas sem perder a ternura jamais.
Essas histórias curtas são o ponto de partida ideal para o exercício de direção coordenado por Marco Antônio Rodrigues. São seis diretores estreantes, cada qual com dois contos para pôr no palco, e a colcha de retalhos que resulta, em temas e variações, embora bem costurada, não esconde que é um exercício aberto.
Variando do escracho da paródia a uma sutileza quase tchekhoviana, cada fragmento desse caleidoscópio resume em poucas falas seu drama e volta aos mesmos pontos: como vestir a toga atrai irresistivelmente a arrogância, como um ato banal torna-se inaceitável quando registrado em ata. Dependendo da direção, porém, a caricatura esvazia o poder de denúncia, se apoiando demais na trilha sonora e na cumplicidade da platéia, como em "Pederasta", dirigido por Dagoberto Feliz, e uma atriz camaleônica como Fernanda Viacava, apesar de seu carisma, acaba se limitando a tipos quase de teatro de revista.
Outras vezes, achados ousados ficam aquém do que prometem, como o recurso de chamar pelo nome pessoas na platéia para compor o júri, em "Cigarro", dirigido por Bruno Perillo. Convidados a dar o veredicto no fim da cena, decidindo se um esquizofrênico merece ou não ser solto, já que tem como pagar tratamento médico, a questão de fundo da justiça vinculada ao poder aquisitivo acaba sendo ocultada por avaliação da performance dos advogados atores e aí se constata antes de tudo como a bela fluência verbal de Gisele Valeri é fundamental para o espetáculo.
Em todo caso, o empenho dos oito atores e a boa articulação entre os diretores produzem um espetáculo bem-acabado e eficiente em sua função de instigar, de provocar a reflexão, apesar da última palavra ficar com a escatologia de "Papel", na qual a falta de papel higiênico no fórum acaba desautorizando qualquer solenidade.
Mais importante, o teatro Jardim São Paulo, bonito e bem equipado como não se imagina fora do centro, acerta quando confia, em sua primeira estréia nacional, em um grupo iniciante. Sem perder sua ousadia, o teatro experimental prova assim que não é um risco financeiro, atraindo com desenvoltura um público novo. Afinal o teatro, como a justiça, tem que ser para todos.


Nada Mais Foi Dito nem Perguntado
  
Texto: Luís Francisco Carvalho Filho
Direção: Ailton Graça, Dagoberto Filho e outros
Com: Folias d'Arte
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 29/8
Onde: Jardim São Paulo (av. Leôncio de Magalhães, 382, Jardim São Paulo, tel. 0/ xx/11/6959-2952)
Quanto: R$ 15 (sex./dom.) e R$ 20 (sáb.)



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