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TEATRO
"NADA MAIS FOI DITO NEM PERGUNTADO"
Montagem expõe os rituais jurídicos
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Além de cega, a justiça é susceptível. Todo cuidado é
pouco diante dela: cada palavra
tem que ser medida, cada gesto
planejado, e logo se estabelece um
ritual delicado, entre o épico e o
comezinho, entre o ridículo e o revelador.
Para expressar esse universo
acertando esse difícil tom, nada
melhor que um observador participante. Advogado, Luís Francisco Carvalho Filho, da equipe de
articulistas da Folha, estabelece
em "Nada Mais Foi Dito nem Perguntado" 11 pequenas fábulas,
quase documentos antropológicos, usando o domínio que tem
do trâmite jurídico para expô-lo
diante do senso comum, com
agudeza, mas sem perder a ternura jamais.
Essas histórias curtas são o ponto de partida ideal para o exercício
de direção coordenado por Marco Antônio Rodrigues. São seis diretores estreantes, cada qual com
dois contos para pôr no palco, e a
colcha de retalhos que resulta, em
temas e variações, embora bem
costurada, não esconde que é um
exercício aberto.
Variando do escracho da paródia a uma sutileza quase tchekhoviana, cada fragmento desse caleidoscópio resume em poucas falas
seu drama e volta aos mesmos
pontos: como vestir a toga atrai irresistivelmente a arrogância, como um ato banal torna-se inaceitável quando registrado em ata.
Dependendo da direção, porém, a
caricatura esvazia o poder de denúncia, se apoiando demais na
trilha sonora e na cumplicidade
da platéia, como em "Pederasta",
dirigido por Dagoberto Feliz, e
uma atriz camaleônica como Fernanda Viacava, apesar de seu carisma, acaba se limitando a tipos
quase de teatro de revista.
Outras vezes, achados ousados
ficam aquém do que prometem,
como o recurso de chamar pelo
nome pessoas na platéia para
compor o júri, em "Cigarro", dirigido por Bruno Perillo. Convidados a dar o veredicto no fim da cena, decidindo se um esquizofrênico merece ou não ser solto, já que
tem como pagar tratamento médico, a questão de fundo da justiça
vinculada ao poder aquisitivo
acaba sendo ocultada por avaliação da performance dos advogados atores e aí se constata antes de
tudo como a bela fluência verbal
de Gisele Valeri é fundamental
para o espetáculo.
Em todo caso, o empenho dos
oito atores e a boa articulação entre os diretores produzem um espetáculo bem-acabado e eficiente
em sua função de instigar, de provocar a reflexão, apesar da última
palavra ficar com a escatologia de
"Papel", na qual a falta de papel
higiênico no fórum acaba desautorizando qualquer solenidade.
Mais importante, o teatro Jardim São Paulo, bonito e bem
equipado como não se imagina
fora do centro, acerta quando
confia, em sua primeira estréia
nacional, em um grupo iniciante.
Sem perder sua ousadia, o teatro
experimental prova assim que
não é um risco financeiro, atraindo com desenvoltura um público
novo. Afinal o teatro, como a justiça, tem que ser para todos.
Nada Mais Foi Dito nem Perguntado
Texto: Luís Francisco Carvalho Filho
Direção: Ailton Graça, Dagoberto Filho e outros
Com: Folias d'Arte
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 29/8
Onde: Jardim São Paulo (av. Leôncio de Magalhães, 382, Jardim São Paulo, tel. 0/
xx/11/6959-2952)
Quanto: R$ 15 (sex./dom.) e R$ 20 (sáb.)
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