São Paulo, sexta-feira, 13 de agosto de 2004

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"IGUAL A TUDO NA VIDA"

Woody Allen enfim encontra o Bergman que tanto perseguiu

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Para todos os efeitos, Woody Allen não é mais um cineasta. É como aquele velho parente que de tempos em tempos aparece em casa para contar suas histórias. Elas podem ser melhores ou piores, mas já sabemos o que esperar delas -assim como sabemos o que oferecer ao velho parente.
Woody é sempre o mesmo e sempre outro. No quadro do cinema americano é, hoje, quase uma anomalia: tem seu jeito e não abre mão dele. Ninguém espere grandes novidades. O tempo de rir aberto também já passou (o tempo dos dramas soturnos imitando Bergman também, felizmente).
Hoje, Woody dirige comédias sobre os dramas da existência cotidiana nova-iorquina. Personagens e situações são recorrentes: o namorado, a namorada, seus não-ditos, estratagemas de conquista, manias vocabulares. Há também o psicanalista, sempre. Certos hábitos de roteiro, também: a convivência entre homens e mulheres é um mal-entendido.
No caso de "Igual a Tudo na Vida", há Falk (Jason Biggs), um jovem escritor apaixonado pela impulsiva e talvez impossível Amanda (Christina Ricci). No Central Park, Falk faz amizade com um velho escritor, Dobel (Allen).
Ou, para dizer de outro modo, "Igual a Tudo" é a história entre um jovem judeu que não sabe dizer não a ninguém e um velho judeu paranóico. Ou ainda, talvez o filme não seja mais que a dramatização de uma conversa entre o jovem e o velho Woody Allen.
Sempre dialogamos com o que já fomos, há mais ou menos tempo. Essas conversas costumam ser um pouco amargas, na medida em que o velho (o presente) quer corrigir o passado (o garoto). Aqui, também, Dobel quer ensinar alguma coisa a Falk. A se livrar das pessoas, por exemplo. E nisso Dobel parece bem-sucedido, trocando as pessoas -falíveis, racistas, presunçosas- por um respeitável arsenal doméstico.
Talvez por isso não exista grande espaço para o riso. Esses encontros entre duas gerações de um mesmo homem tendem à melancolia. Mas, como Woody Allen é um homem honesto, tendem também a se revestir de uma inegável dignidade. Existe algo de profundamente amargo em "Igual a Tudo na Vida". Talvez seja esse amargor que Woody Allen buscava nos filmes que fazia à la Bergman. Mas agora é diferente: em vez de importar certas experiências, ele parece tê-las vivido. Woody encontrou o Bergman que sempre ambicionou ser, mas ele é um outro: é um judeu nova-iorquino e comediante. Não deixa de ser uma caminhada e tanto.


Igual a Tudo na Vida
Anything Else
   
Direção: Woody Allen
Produção: EUA, 2004
Com: Jason Biggs, Christina Ricci
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Morumbi e circuito



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