São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2011

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CRÍTICA CONTOS

Narrativas do autor apresentam magistral didática do horror


DO TALENTO DE STEVENSON NÃO HÁ QUE DUVIDAR, TANTOS SÃO OS EXEMPLOS DE PROSA MAGNÍFICA QUE DEIXOU NO ROMANCE, NO CONTO FANTÁSTICO E NOS RELATOS DE VIAGENS


ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O escocês Robert Louis Stevenson é autor de algumas das histórias mais célebres da literatura do ocidente, como "A Ilha do Tesouro" ou "O Estranho Caso de Dr. Jeckyll e Mr. Hyde".
Ambas foram muitas vezes adaptadas para o público infantojuvenil, o que nem sempre fez bem às histórias ou ao reconhecimento das virtudes do autor.
Do talento extraordinário de Stevenson, entretanto, não há que duvidar, tantos são os exemplos de prosa magnífica que deixou, especialmente nos gêneros do romance de aventuras, no conto fantástico e nos relatos de viagens, nos quais se tornou um modelo praticamente incontornável.
A coletânea "O Clube do Suicídio" contém, além da novela que dá título ao livro e de "O Estranho Caso de Dr. Jeckyll e Mr. Hyde", os contos "Markheim", "O Demônio da Garrafa", "O Ladrão de Cadáveres" e "O Vestíbulo".
As razões da escolha desses textos, atribuída a Davi Arrigucci Jr., que também assina o prefácio da coletânea, não são evidentes: são todas histórias conhecidas, que já receberam edição no Brasil, algumas com boas traduções.
Não são exemplares de um único gênero nem são representativas da extensa gama de gêneros praticados por Stevenson.
Para um volume editorialmente mais ambicioso, falta explicitar os critérios de seleção, e, sobretudo, falta uma notícia bibliográfica que pese as virtudes da lição inglesa tomada como base para a tradução, já que são muitas as edições existentes, e não poucas as corrompidas.

MARAVILHOSO TERRÍVEL
A edição ainda traz algumas "sugestões de leitura" e, como maior trunfo, o apêndice constituído por um texto de Henry James sobre o conjunto da obra de Stevenson, de quem foi amigo, admirador e correspondente.
Há também um estudo de Vladimir Nabokov sobre "O Estranho Caso de Dr. Jeckyll e Mr. Hyde". E, afinal, o que dizer ainda a respeito dos contos de Stevenson?
Relendo agora os textos da coleção, o que ecoa de mais marcante neles é a ideia de que a grande cidade industrial do século 19 é pensada como uma espécie de maravilhoso terrível.
Dessa forma, cada janela burguesa, cada lojinha enfileirada numa rua de negócios, abre-se não apenas para um conjunto de hábitos sadios e convencionais mas para um redemoinho de vícios e prazeres tão intensos como secretos.
Em simetria à ordem social que se dá a ver existe outra ordem oculta, abjeta: um "locus horrendus", cujas máscaras, farsescas ou cômicas, suportam precariamente uma violência original, sedutora e repugnante.
Da mesma maneira, um simples indivíduo, talentoso e sinceramente disposto para o bem, tão logo se debruce lucidamente sobre si, é forçado a reconhecer que o habita não apenas um duplo monstruoso mas também uma bárbara sociedade de múltiplos.
Há uma inteira cidade de pesadelo sob cada bom homem. Esta é a didática do horror magistralmente aplicada por Stevenson.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.

O CLUBE DO SUICÍDIO
AUTOR Robert Louis Stevenson
EDITORA Cosac Naify
TRADUÇÃO Andréa Rocha
QUANTO R$ 66 (448 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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