São Paulo, Sexta-feira, 13 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PARA ENTENDER HITCHCOCK

ADMIRAÇÃO MÚTUA: Luís Buñuel.

ALMA: Script girl, montadora, colaboradora em tempo integral, aquela a quem escutava em qualquer momento, Alma Reville foi mais do que a mulher de Hitchcock: foi, efetivamente, sua alma. Para um católico, não é pouco.

BOM SENSO: A mulher do investigador, em "Frenesi", intui, desde o início, a inocência do principal suspeito. Em Hitchcock, com frequência, os homens sabem demais ou de menos; o saber justo é o das mulheres.

CATOLICISMO: Veja "O Homem Errado" e "A Tortura do Silêncio".

COMIDA: Um gourmet.

CORPO: Um incômodo.

CRÍTICA: Um crítico pergunta se leu o artigo em que arrasa seu último filme. Resposta: "Li, sim. Fui chorando depositar o cheque no banco".

DAVID O. ZELZNICK: Responsável pela ida de Hitchcock para Hollywood. Dizia que era o único diretor a quem confiaria inteiramente um filme, embora não fosse um tipo para se convidar para um churrasco.

DELÍRIO: James Stewart veste e penteia Kim Novak de modo a "refazer" Carlota Valdez, a mulher por quem se apaixonara, interpretada pela própria Kim Novak.

EFEITO: Todo efeito existe para desaparecer no filme, para melhor expressar a realidade. O que se vê no set pode ser falso; o que se vê na tela tem de parecer real.

ESPELHO: O espectador é um voyeur. James Stewart, em "Janela Indiscreta", ocupa o lugar do espectador, não só pelo voyeurismo como pela imobilidade (está preso à poltrona, com as pernas quebradas). O filme reflete a um tempo sobre o ato de filmar, de ver um filme e sobre o cinema propriamente dito.

EUA: ver em "A Sombra de uma Dúvida" a descrição de uma pequena cidade nos anos 40.

HUMOR: Britânico. Ora irônico, ora cínico, sempre distante. Componente essencial de seus filmes.

LINHAGEM: Veja "Janela Indiscreta", de Hitchcock, depois "Blow Up", de Antonioni, em seguida "Blow Out", de Brian De Palma.

LOIRAS: Uma obsessão. Favoritas: Ingrid Bergman, Grace Kelly, Tippi Hedren.

MESTRE MAIOR: F.W. Murnau.

MONTAGEM: Um plano pertence ao domínio da realidade; o plano seguinte, também. Mas o encontro entre ambos pertence ao domínio do imaginário. Ver "Janela Indiscreta", "Um Corpo que Cai" etc.

PLANOS LONGOS: "Festim Diabólico" é composto apenas por planos-sequência que simulam ser um único plano.

POLÍCIA 1: É preciso temer.

POLÍCIA 2: Equivoca-se sempre.

SEXO: Casado, com vida sexual precária (ele dizia que era inexistente), ao mesmo tempo ligava-se de maneira obsessiva a algumas de suas atrizes (Tippi Hedren, Vera Miles), que tratou não sem certo sadismo durante as filmagens.

TÉCNICA: O refúgio seguro do cineasta. Dominá-la significa adquirir a capacidade de expressar adequadamente o que pretende.

TÉCNICA 2: Em "Suspeita", quando Cary Grant sobe as escadas, levando um copo de leite talvez envenenado, Hitchcock fez iluminar o copo do interior, de maneira a chamar a atenção do espectador para ele.

TRANSFERÊNCIA DE CULPA: Mecanismo pelo qual o responsável por um delito menor (furto, adultério) recebe a culpa por um delito maior (normalmente, assassinato).

TRAVELLING À FRENTE: Nenhum é melhor do que o do final de "Jovem e Inocente": a câmera apanha o herói, a mocinha e o mendigo (única testemunha do crime), de cima, em plano geral, entrando em um grande salão, onde talvez se encontre o criminoso. A câmera se aproxima aos poucos do trio que senta a uma das mesas, enquanto mostra os casais dançando. Pelo vidro, vê-se o local ser cercado pela polícia, que procura o mocinho. A câmera continua a ser aproximar da orquestra, até focalizar o baterista (o verdadeiro culpado), que, imaginando que a polícia o busca, começa a atravessar os compassos, prejudicando a música. A câmera se aproxima até fixar seu rosto e, depois, seus olhos. Neste momento, percebe-se seu tique nervoso característico (o piscar de olhos).

TRAVELLING DE RECUO: Em "Frenesi", o assassino sobe as escadas e entra em seu apartamento com uma vítima. A câmera se afasta, desce as escadas, atravessa o hall (com o filme em silêncio) até chegar ao exterior (a rua). Na verdade, são dois planos, unidos por um corte imperceptível, na passagem de um figurante, no momento em que a câmera deixa o interior (estúdio) e vai para o exterior (locação).


Texto Anterior: Hitchcock, 100
Próximo Texto: No cinema
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.