São Paulo, Sexta-feira, 13 de Agosto de 1999
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ELA DISSE
"O Amor É uma Dor Feliz"

da Reportagem Local

Tomo emprestado o título do livro do colunista da Folha aí do lado porque me parece uma tradução adequada para a pseudo-ousadia à qual se propôs a francesa Catherine Breillat ao roteirizar e dirigir "Romance". Escritora com uma séria pesquisa sobre o papel (argh!) da mulher no mundo contemporâneo, teve seu filme anterior, "Parfait Amour" (1996), incluído na lista dos dez melhores da revista "Cahiers du Cinéma".
Não vou dizer que Breillat não tenha acertado em algumas coisas. Afinal, o registro que ela adota para a busca frenética de amor mais satisfação sexual para sua Marie, a protagonista do filme, dilacerante, auto-reflexivo e cheio de culpa, ainda tem eco em grande parte das filiadas ao sexo frágil.
E há, não se pode negar, uma certa precisão na representação das fantasias femininas, como a do sexo pelo sexo, obviamente com um estranho, "puro desejo", até há bem pouco tempo um privilégio masculino, ou a da entrega cega e total, como no sadomasoquismo, contradições de quem passou boa parte da história disfarçando a força do próprio desejo com a máscara da passividade.
Marie (Caroline Ducey) ama Paul (Sagamore Stévenin), que não a "procura" há tempos. Como é de praxe na nossa civilização judaico-cristã, a autovitimização feminina a leva a se culpar pela ausência do desejo de Paul e a tentar de tudo (leia-se felação, uma concessão que ela só faz para o homem que ama) para superá-la.
O insucesso a leva à tentativa de satisfação de seu próprio desejo, mas de maneira punitiva, com estranhos, violadores ou sadomasoquistas. O importante é que não haja a possibilidade de intimidade, isso sim, uma traição.
Tudo isso vem numa embalagem requintada, com cara de cinema de arte, diálogos insistentes e contraditórios, figurinos chiques, cenários idem, e a fotografia impecável de Yorgos Arvanitis ("A Eternidade e Um Dia").
Essa embalagem se choca com uma tentativa de pornografia, representada pelo "imponente" Rocco Siffredi, astro de filmes do gênero, e pela exposição corajosa do corpo de Caroline. É nesse choque que deveria morar o perigo, mas acaba residindo mesmo a imprecisão da diretora. Suas boas intenções de colocar a mulher no controle da sacanagem escorregam em clichês.
Assim como sua câmera se afasta o suficiente das sequências pornográficas, para deixá-las mais sugeridas do que explícitas (closes de pênis e de vulva não significam nada, a não ser para o menos exigente dos "voyeurs"), ela fica em cima do muro também no que quer mostrar com isso tudo. Acaba fazendo uma perigosa aproximação entre a utopia do amor e a fantasia do sexo, segmenta os componentes da paixão entre os personagens masculinos, condenando todos à eterna separação.
Tudo bem que cinema vive de conflito dramático, mas não dava para tomar o caminho da conciliação? Ainda bem que o grande barato é que sexos opostos são contraditórios (dor) e complementares (felicidade). Por isso, têm apenas de se encontrar. Sem elucubrações. (FG)


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