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O DOGMA E O DESEJO
da Redação
Leia, a seguir, a íntegra do manifesto de Marcelo Masagão.
"Dogmático ou desejantes?
Apesar da culpa, apesar do dogma, os dinamarqueses e seus recentes filmes nos colocam uma questão fundamental: o prazer de
fazer filmes. É o que se vê em cada centímetro
de videopelícula ali realizado. No meio daquela narrativa ninguém se pergunta se está
vendo vídeo ou película? Se é arte ou mercado? Se é doce ou salgado? É só um filme bacana em que talvez o único dogma existente seja o fato de se ter um bom roteiro e muito desejo de realizá-lo.
Nós, os desejantes tropicais, atualmente
estamos mais para o dogma do comércio do
que para o do desejo. Nosso negócio é discutir estratégias, leis de incentivo, certificados,
agentes intermediários... O Zé e o Chico.
Tudo verdade (ou mentira).
No Brasil tudo pode.
Dogma 1. Viva o sabonete
Apesar dos recursos destinados à cultura
serem ínfimos, quem gerencia seu destino
são aqueles que entendem de sabonete. Diretores e gerentes de marketing passaram a ser
experts em cultura. E tudo isso sem tirar nenhum do bolso, como no caso da Lei do Audiovisual. O ministério nos entrega papeletes
denominados certificados, que, na esmagadora maioria das vezes, morrem na praia.
Afinal, não são todos que têm bons contatos
em grandes empresas ou nas estatais.
Santa Rio Filme.
Não seria mais adequado conversarmos de
cultura com quem entende do assunto? A Rio
Filme ou o Sesc São Paulo são instituições
que administram dinheiro público com fins
culturais e o fazem muito bem. Ali não se administra cultura, se promove a cidadania cultural, em que artistas e produtores discutem
seus produtos com administradores sérios e
formados na área. Ali, com recursos muito
inferiores aos do ministério, se faz muito
mais pelo cinema, pela cultura.
"Mas a Embrafilme não funcionava", dizem alguns. Mentira. A Embrafilme teve diversas fases e administradores melhores ou
piores. Mas não nos esqueçamos que sob sua
tutela o cinema brasileiro era muito mais visto do que hoje.
Fica uma pergunta: É melhor discutir o fazer filmes com administradores culturais
(melhores ou piores) ou com diretores e gerentes de marketing? Se as empresas e empresários se interessarem por produtos culturais
que botem suas mãos em seus bolsos e façam
cheques. Neste caso, parece legítimo que eles
decidam e escolham o projeto que lhes convenham.
Dogma 2. A Baleia e o Bidê.
Distribuir filmes no Brasil é como criar baleias em um bidê. Apesar de já existir uma lei
de cota de tela, nosso adorável ministério não
mexe palha para aplicá-la. Afinal, a legitimidade de proteger mercados não combina
com a atual cartilha da corte.
Dogma 3. Orçamentos elefânticos e o Garrincha.
Se o público médio para filmes nacionais é
de 30 mil espectadores e o custo médio de cada produção é de R$ 3 milhões, cada espectador acaba custando cerca de R$ 100. É meio
complicado, né?
Viva o Garrincha.
Porque a política pública não estimula os
cineastas a fazerem filmes de baixo orçamento? A tecnologia possibilita que hoje se possam fazer ousados projetos com não mais do
que R$ 1 milhão. Os gringos, sejam eles dinamarqueses, franceses ou os independentes
radicais americanos, já estão nos mostrando
que é possível fazer isto.
Onde andará o Garrincha e seus dribles?
O fazer, fazer, fazer, bailar, bailar...
E, afinal, por que bailar se a única música
que se dança hoje é a dança do mercado? Será
que, além de se preocupar em estimular a distribuição, o papel principal do ministério não
é o de promover a realização de uma grande
quantidade de filmes de baixo orçamento?
Mais quantidade, menos eixo Rio-SP e principalmente a possibilidade de exercer a profissão com constância e não de cinco em cinco arrastados anos.
Dogma 4. A Família Monofásica e a Família
Polifônica.
Quem serão mais corporativos: os cineastas brasileiros, os metalúrgicos do ABC ou os
médicos de Bauru? O vírus hollywoodiano
espalha-se por todos os cantos. Cinematografias nacionais resistem e aderem à linguagem deles com ou sem sutileza. Não existe
um só cinema brasileiro, iraniano ou italiano.
Poderíamos dividir esta família em pelo
menos dois blocos: aqueles que, por meio de
seus filmes, estimulam os neurônios e aqueles que deixam nossos neurônios muito aflitos e entediados. Estes últimos são aqueles
que em geral estão muito preocupados com o
mercado, com o público médio...
A outra família é uma família polifônica,
em que criadores estão preocupados em experimentar linguagens das formas mais diferentes e singulares possíveis. Esta família normalmente é pouco articulada politicamente
mas faz mais sucesso com a crítica e não raro
com o público. Seus orçamentos e verbas de
mídia costumam ser bem mais modestos que
os da família monofásica.
Dogma 5. Baratas.
Ao mercado, as baratas.
À cultura, os toros.
A sensibilidade é digital.
Dogma único.
Façamos filmes baratos."
Este manifesto estará disponível na Internet para adesões e discussões. Contatos
com o zelador do site e também cineasta
Marcelo Masagão.
E-mail: marcelomasgao@uol.com.br
Site: www.neoroniosaflitos.com.br
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