São Paulo, quinta-feira, 13 de setembro de 2001

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"ROSAS E PEDRAS DE MEU CAMINHO"

Florilégio de golpes e contragolpes

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Passados quase 25 anos da morte de Carlos Lacerda, é difícil comentar um livro dele, originalmente artigos publicados na revista "Manchete", em 1966, sem que venha à baila o que não está no texto, isto é, sua atuação na história do Brasil, sobretudo tramando contra os presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek e João Goulart.
E, nesse aspecto, não é possível neutralidade axiológica: ou se é favor ou contra.
Relevando o fato de que, como é o caso deste livro, "Rosas e Pedras de Meu Caminho", o texto muitas vezes contradiz a ação. Por exemplo: sempre soube-o antinacionalista, mas nesses escritos ele se declara simpático ao nacionalismo, "uma força poderosa que será impossível neutralizá-la".
Citando sempre como fonte de autoridade os brasilianistas e os historiadores norte-americanos. Não por acaso sua biografia será feita pelo norte-americano Fuster Dulles; de resto, o partido político a que esteve filiado Carlos Lacerda, a UDN, era no fundo a visão norte-americana do Brasil.

"Terra em Transe"
Antinacionalismo é o que explica o seu ataque violento ao Iseb, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, que reunia intelectuais como Álvaro Vieira Pinto, Roland Corbusier e Nelson Werneck Sodré, assim como se explica sua perseguição ao cinema novo de Glauber Rocha, tanto que o cineasta o colocará em "Terra em Transe" no papel do alucinado e histérico ditador Diaz, representado pelos pitis e esgares do ator Paulo Autran.
Para Glauber Rocha, o transe de direita de Carlos Lacerda estava entronizado no colonialismo "made in Roluidi".
Debalde tentei nesse livro encontrar explicação à travessia de um Lacerda de esquerda para um Lacerda de direita embora ele ironize que foi expulso do partidão sem nunca ter nele entrado.
Leu precocemente o "ABC do Comunismo", de Bukharin, aos 12 anos, mas confessa que não o leu por inteiro; aliás o que ele escreve sobre Marx e o marxismo é bastante superficial. Coisas do tipo: Marx era "conservador" porque gostava de Balzac.

Castelo Branco
Em 1966 Lacerda estava empenhado em articular a Frente Ampla com Juscelino e Jango, de modo que sua visão do passado mudou, tecendo agora elogios a Getúlio Vargas, que atrasou a democracia, mas progrediu socialmente o Brasil, assim como desceu o sarrafo no marechal Castelo Branco por ter se prolongado no poder.
Daí a situação paradoxal de Lacerda: articulador do golpe de 64 que, por sua vez, cortou-lhe a possibilidade de ser presidente da República.
Foi a favor da interrupção do processo democrático com a derrubada de João Goulart, mas se indispôs logo a seguir com a ditadura de Castelo Branco, sobre quem diz cobras e lagartos nesse livro, o qual, no entanto, não dá nenhum sinal de arrependimento por ter sido golpista em 1964, que é o acontecimento mais trágico da história do Brasil.
O pensamento político de Carlos Lacerda, se é que se pode falar em tal coisa, é de fundo heteróclito em que entram alhos e bugalhos. Nesse livro ele quer amalgamar Vargas, Juscelino e a UDN (União Democrática Nacional) numa feijoada completa.
Ainda está para ser feita a análise psicanalítica de Carlos Lacerda. Em 1956, Gondin da Fonseca, entusiasta de Freud e ao mesmo tempo espírita e marxista, detectou-lhe duas forças paralelas: o ódio ao pai e o complexo de castração.
Carlos Lacerda teria transferido para Getúlio Vargas a figura do pai. Discorde-se ou não dessa interpretação, mas o fato é que seu pai, Maurício, que tinha uma atitude ambivalente de amor e ódio em relação a Luís Carlos Prestes, é o nome mais citado no livro, se bem que sempre coberto de elogios, por Carlos Lacerda, jornalista que será lembrado pela sua capacidade sarcástica de colocar apodos e epítetos nas pessoas, além de ter sido um excelente "mancheteiro".


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor dos livros "O Príncipe da Moeda" e "O Cabaré das Crianças", entre outros


Rosas e Pedras de Meu Caminho
    
Autor: Carlos Lacerda
Editora: UnB
Quanto: R$ 45 (305 págs.)




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