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LITERATURA
Cartas matam saudade de Ana Cristina Cesar
CYNARA MENEZES
da Reportagem Local
Bela, talentosa e muito amada
-que razões secretas guardaria
no coração a poeta Ana Cristina
Cesar para pular aos 31 anos do 7º
andar de um edifício de Copacabana, no dia 29 de outubro de
1983?
Quem atravessou a adolescência encantado com os poemas de
Ana em "A Teus Pés", publicado
em 82 pela inesquecível coleção
da editora Brasiliense "Cantadas
Literárias", não encontrará a resposta na edição de algumas de
suas cartas, com lançamento previsto para hoje, no Rio.
No dia 20, será lançado outro
volume, "Crítica e Tradução",
com os trabalhos teóricos da autora carioca, ambos com co-edição do Instituto Moreira Salles,
que passa a ser curador de sua
obra.
Nas cartas, escritas a quatro
amigas, três ex-professoras
-Clara Alvim, Heloisa Buarque
de Hollanda e Maria Cecilia Londres Fonseca- e uma colega de
faculdade -Ana Candida Perez-, o que Ana C. faz não é dar
respostas a seu ato, mas matar
nos leitores a saudade de sua escrita.
São cartas em sua maioria amenas e cotidianas, com momentos
de altos e baixos que qualquer um
teria. "Mas parece que os dela
eram mais bonitos", sugere Heloisa Buarque, organizadora, ao
lado do poeta Armando Freitas
Filho, da edição.
Heloisa e Ana C. se conheceram
na época em que a primeira preparava a publicação da antologia
"26 Poetas Hoje", de 76, em que a
poeta seria "descoberta". Heloisa
se tornaria mais tarde sua orientadora de mestrado, além de amiga.
"Não vejo (tendências suicidas)
ali, não. Vejo, de qualquer maneira, que perpassa nelas muita sofreguidão", diz Heloisa sobre as
cartas de Ana, escritas entre 76 e
80.
Das que ela mesma recebeu, lamenta hoje, guardou apenas metade, apesar da aparência atraente
da correspondência, sempre em
papel especialmente escolhido,
com gravuras coladas e desenhos
que são reproduzidos no livro.
Ana Cristina Cesar, por outro
lado, não guardou nenhuma carta
recebida, o que impossibilitou o
contraponto que daria ainda mais
interesse à leitura de sua correspondência de temas variados: a
repressão dos 70, tradução, amores.
"Ela rasgou toda a correspondência que recebia", conta Armando Freitas Filho, o amigo a
quem, antes de morrer, deixaria o
espólio agora repassado ao Instituto Moreira Salles.
O poeta foi a última pessoa a falar com Ana. Ele conta: "Falamos
por telefone, ela perguntou se eu
iria passar em sua casa e eu disse
que não, porque estava gripado. A
Ana estava em depressão, mas a
gente achava que estava se recuperando".
Cerca de 40 minutos depois de
colocar o telefone no gancho, o
aparelho soou novamente. Era a
mãe de Ana Cristina, Maria Luiza,
que dava a notícia do suicídio.
"Até hoje penso no que teria
acontecido se eu tivesse ido lá naquele sábado", diz Freitas Filho.
"A sensação que eu tive é que ela
escapou por entre os dedos de todos", completa, com uma culpa
que não lhe cabe ter: não fossem
os esforços dele e dos demais amigos, talvez hoje a obra de Ana
Cristina Cesar estivesse esquecida.
Como diz Heloisa Buarque,
exatamente ao contrário do amigo: "A gente não solta dela".
O quê: lançamento dos livros Ana C. -0
Correspondência Incompleta
(Aeroplano) e Crítica e Tradução (Ática),
de Ana Cristina Cesar
Quando: hoje e no dia 20 de outubro,
respectivamente, às 20h
Onde: Instituto Moreira Salles (r.
Marquês de S. Vicente, 76, Gávea, Rio de
Janeiro, tel. 0/xx/21/512-6448)
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