São Paulo, Quarta-feira, 13 de Outubro de 1999
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LITERATURA

Cartas matam saudade de Ana Cristina Cesar


CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

Bela, talentosa e muito amada -que razões secretas guardaria no coração a poeta Ana Cristina Cesar para pular aos 31 anos do 7º andar de um edifício de Copacabana, no dia 29 de outubro de 1983?
Quem atravessou a adolescência encantado com os poemas de Ana em "A Teus Pés", publicado em 82 pela inesquecível coleção da editora Brasiliense "Cantadas Literárias", não encontrará a resposta na edição de algumas de suas cartas, com lançamento previsto para hoje, no Rio.
No dia 20, será lançado outro volume, "Crítica e Tradução", com os trabalhos teóricos da autora carioca, ambos com co-edição do Instituto Moreira Salles, que passa a ser curador de sua obra.
Nas cartas, escritas a quatro amigas, três ex-professoras -Clara Alvim, Heloisa Buarque de Hollanda e Maria Cecilia Londres Fonseca- e uma colega de faculdade -Ana Candida Perez-, o que Ana C. faz não é dar respostas a seu ato, mas matar nos leitores a saudade de sua escrita.
São cartas em sua maioria amenas e cotidianas, com momentos de altos e baixos que qualquer um teria. "Mas parece que os dela eram mais bonitos", sugere Heloisa Buarque, organizadora, ao lado do poeta Armando Freitas Filho, da edição.
Heloisa e Ana C. se conheceram na época em que a primeira preparava a publicação da antologia "26 Poetas Hoje", de 76, em que a poeta seria "descoberta". Heloisa se tornaria mais tarde sua orientadora de mestrado, além de amiga.
"Não vejo (tendências suicidas) ali, não. Vejo, de qualquer maneira, que perpassa nelas muita sofreguidão", diz Heloisa sobre as cartas de Ana, escritas entre 76 e 80.
Das que ela mesma recebeu, lamenta hoje, guardou apenas metade, apesar da aparência atraente da correspondência, sempre em papel especialmente escolhido, com gravuras coladas e desenhos que são reproduzidos no livro.
Ana Cristina Cesar, por outro lado, não guardou nenhuma carta recebida, o que impossibilitou o contraponto que daria ainda mais interesse à leitura de sua correspondência de temas variados: a repressão dos 70, tradução, amores.
"Ela rasgou toda a correspondência que recebia", conta Armando Freitas Filho, o amigo a quem, antes de morrer, deixaria o espólio agora repassado ao Instituto Moreira Salles.
O poeta foi a última pessoa a falar com Ana. Ele conta: "Falamos por telefone, ela perguntou se eu iria passar em sua casa e eu disse que não, porque estava gripado. A Ana estava em depressão, mas a gente achava que estava se recuperando".
Cerca de 40 minutos depois de colocar o telefone no gancho, o aparelho soou novamente. Era a mãe de Ana Cristina, Maria Luiza, que dava a notícia do suicídio.
"Até hoje penso no que teria acontecido se eu tivesse ido lá naquele sábado", diz Freitas Filho. "A sensação que eu tive é que ela escapou por entre os dedos de todos", completa, com uma culpa que não lhe cabe ter: não fossem os esforços dele e dos demais amigos, talvez hoje a obra de Ana Cristina Cesar estivesse esquecida.
Como diz Heloisa Buarque, exatamente ao contrário do amigo: "A gente não solta dela".


O quê: lançamento dos livros Ana C. -0 Correspondência Incompleta (Aeroplano) e Crítica e Tradução (Ática), de Ana Cristina Cesar
Quando: hoje e no dia 20 de outubro, respectivamente, às 20h
Onde: Instituto Moreira Salles (r. Marquês de S. Vicente, 76, Gávea, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/21/512-6448)



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