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ARTES PLÁSTICAS
Afeganistão indestrutível
Exposição com 230 peças em museu de Barcelona percorre legado histórico e apresenta mosaico étnico da região
ANTONIO JÚNIOR
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM BARCELONA
O escritor francês André Malraux descobriu, em 1930, no Afeganistão a arte greco-búdica. Fascinado por sua beleza, organizou
em Paris uma exposição de budas
e anjos, figuras sublimadas por
um espírito religioso dominado
pela piedade.
O evento inédito lançou no Ocidente uma arte misteriosa e delicada praticamente desconhecida.
"O Gênio das Flores" (séc. 3-4),
uma das principais peças da coleção Malraux, faz parte hoje de
uma grandiosa mostra no Centro
de Cultura da Fundação la Caixa,
em Barcelona, que reúne 230
obras procedentes de diversos
museus e coleções privadas, como o Museu do Ermitage, o Museu do Homem de Paris e o Harvard University Art Museum.
A exposição "Afeganistão, uma
História Milenar", inaugurada este mês e que fica em cartaz até o
dia 23 de dezembro, exibe ao público a diversidade do legado histórico e cultural afegão, suas etnias e suas culturas.
Começando na pré-história,
percorre culturas pré-islâmicas e
a arte islâmica, apresentando a situação atual em um bloco intitulado "Afeganistão Hoje".
Compõem ainda o núcleo elementos da vida cotidiana tradicional das diversas etnias que povoam o país, uma seleção de imagens de fotógrafos que trabalharam na região desde os anos 70
-como Eve Arnold, Raymond
Depardon e James Natchtwey, da
agência Magnum-, um conjunto disponível para livre consulta e
uma seleção de música tradicional afegã.
Disputa pelo território
Situado nas montanhas da Ásia
Central, o território do Afeganistão tem sido, ao longo da história,
um local estratégico. Rota do caminho da seda, se converteu em
lugar de encontro de grandes impérios e, por essa razão, em um
mosaico de etnias e religiões. Essa
particular riqueza também foi, e
continua sendo, a origem de guerras pelo controle da região.
Sua história é marcada pela passagem de grandes conquistadores
como Alexandre, o Grande e Genghis Khan.
No Afeganistão se encontravam
as representações dos maiores
budas do mundo, destruídos em
março pelo regime taleban.
A ordem do mulá Mohamed
Omar para destruir as estátuas e
representações figurativas do
Afeganistão, incluindo as gigantes
esculturas budistas do vale de Bamiyán -junto de dezenas de ídolos de pedra e madeira em lugares
históricos de Herat, Ghazni e
Nangarhar-, reafirma a importância dessa exposição, na qual
podem ser admirados os bronzes
greco-romanos, os vasos de Alexandria, as lacas chinesas e os
marfins hindus, resultado de viagens, conquistas e migrações.
Riqueza
A mostra exibe a excepcional riqueza do patrimônio da região e
traz informações que ajudam a
entender sua história mais recente, marcada pela queda da monarquia, pela invasão da então União
Soviética e pela posterior ascensão ao poder dos talebans.
Para contextualizar melhor esses eventos, a mostra organizou
visitas comentadas, ciclos de conferências e projeções de documentários (como "Viagem ao
Afeganistão", de 1928, recuperado por Frédéric Gadmer) e filmes
(como "O Prisioneiro das Montanhas", de 1995, de Sergei Bodrov).
Essa mestiçagem cultural encontra sua máxima expressão nos
budas de traços apolíneos (como
o busto do príncipe Siddharta, de
2 d.C.) e nos mosaicos de Herat,
em que a iconografia islâmica se
mistura com a arte dos ceramistas
chineses.
Distribuída em quatro grandes
blocos, a mostra releva os estilos
locais e os núcleos artísticos mais
ativos de cada período: "As Origens de uma Civilização", dedicado às culturas da Idade do Bronze;
"O Encontro de Apolo e Buda",
que contém obras procedentes da
região de Ganghara e do centro
monástico de Hadda; "Bamiyán
no Caminho da Seda" e "Herat,
Capital do Islã".
Um último bloco é dedicado ao
Kafiristão, a selvagem região descrita por John Huston em "O Homem que Queria Ser Rei" (1975).
Especialmente curiosos são os
desenhos em aquarela realizados
por Imam Bájsh para ilustrar as
memórias do general Court, um
dos oficiais de Napoleão.
Ou mesmo as imagens televisivas da queda dos budas do século
6 d.C., no antigo santuário e lugar
de peregrinação nas montanhas
de Hindu Kush, em Bámiyán, que
evocam o tombamento das torres
do World Trade Center, nos EUA.
A tradição têxtil da Ásia Central
também está presente com vestes
realizadas com a técnica do "ikato", que permite tingir um mesmo fio com diferentes cores.
Ainda são destaques parte do
tesouro de Begram, de origem
grega e hindu, escondido em uma
câmara secreta diante da iminência de um ataque à cidade, que foi
redescoberto no século 20; e as estátuas de inspiração helenística,
da cidade de Hadda, com cabeças
de demônios, monges, bárbaros e
animais.
Segundo o mito da criação divina do Afeganistão, quando Allah
fez o mundo, viu que havia restado vários fragmentos que não encaixavam em nenhuma parte.
Reunindo-os, deu origem ao Afeganistão.
"Afeganistão, uma História Milenar" tem despertado o interesse
de centenas de visitantes ao dia,
ávidos para conhecer uma terra
de rica cultura, fulminada pela
guerra civil e devastada pelos talebans. Uma produção cultural e
artística de um país em que a fotografia, o cinema e a televisão são
perseguidos, considerados formas de idolatrias desnecessárias e
corruptas.
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